Na primeira edição do Acorde Maior, um projeto do Village Underground Lisboa, na área do impacto social, que começou na segunda-feira, participam crianças e jovens oriundos de aldeias Crianças SOS e dos bairros do Zambujal e da Cova da Moura, no concelho da Amadora.
“O nosso objetivo é que o material que surge neste trabalho venha dos miúdos que participam nele, não é vir com repertório pré-construído ou com partituras”, explicou à Lusa uma das orientadoras/formadoras do projeto, Joana Araújo.
Ao longo de uma semana, Joana Araújo, Duarte Cardoso e Teresa Campos estão a “facilitar processos diários de construção musical e artística” com um grupo de crianças e jovens no qual a maioria tem “pouca ou nenhuma experiência musical”.
A primeira parte da semana (segunda e terça-feira, dia em que a Lusa visitou o projeto) “é mais exploratória”. “Para os conhecermos, para eles se conhecerem entre eles e quando começamos a produzir material. É um momento crucial, porque é quando surgem as primeiras ideias e se define o que vai acontecer no final da semana”, contou Duarte Cardoso.
Na terça-feira à tarde, os 30, divididos em seis grupos, percorreram o espaço do Village Underground, sediado nos terrenos do Museu da Carris, a recolher imagens, sons e a fazer entrevistas.
Regressados ao armazém onde decorrem ‘as aulas’, escolheram os melhores sons e imagens, que partilharam com os outros. Barulhos de elétricos, aviões, alguém a mastigar e talheres a baterem uns nos outros foram alguns dos sons recolhidos.
“Estamos a tentar criar estratégias para os princípios básicos, que são os sentidos. Estamos a começar pelas coisas mais básicas da audição e da escuta, uma vez que a prática instrumental é praticamente nula, a maioria deles vem com a voz e o corpo”, explicou Joana Araújo.
Matilde, de 08 anos, confessou à Lusa que “estava à espera de aprender música, tocar instrumentos”, mas não se mostrou desiludida com o que tem aprendido, e até considera “uma boa experiência”.
Já Solange, com 15 anos, temia que o projeto fosse “uma seca”, principalmente a parte de “ter de acordar cedo nas férias”. Mas afinal, “está a ser fixe”.
Para terça-feira, os ‘alunos’ tinham a tarefa de levar para a ‘sala de aula’ objetos ou instrumentos à escolha. Havia um violino e uma guitarra, mas também molhos de chaves, livros, talheres e colheres de pau. Os que se esqueceram tiveram de arranjar o ‘instrumento’ na sala, e aí a escolha recaiu em garrafas de plástico ou capas de telemóvel.
Todos mostram o som que sai de cada objeto ou instrumento que trouxeram e, no fim, fizeram um balanço de como correu o dia.
Hoje e na quinta-feira é quando se “desenvolve material” e se “fecha o que vai acontecer na apresentação final”.
“Fazemos exercícios em que eles produzem material musical em vários formatos (listas de palavras, letras, pesquisa de sons e imagens)”, referiu Duarte Cardoso, salientando haver “um processo criativo que acontece mesmo sem eles perceberem”.
“Eles estão a criar sem dizermos ‘agora vais fazer música’”, disse.
Para Teresa Campos, “tem tudo um pouco que ver com ser-se criativo, olhar-se para as coisas de forma criativa”. “Aqui é afunilado para uma coisa muito concreta e com a garantia de que isso vai transformar-se em algo partilhável no fim”, referiu.
O último dia – sexta-feira – “é o momento de ensaio, de usufruírem do que construírem”. O projeto culmina com uma gravação e atuação ao vivo, nas instalações do Village Underground Lisboa.
Os formadores não gostam de chamar concerto ao que irá acontecer no último dia, porque “não há preocupação em satisfazer o público”. “Estamos preocupados com a participação deles, se estão integrados, se sentem ‘este resultado tem uma parte de mim’, isso para nós é o mais importante”, referiu Duarte Cardoso.
Com um grupo de crianças e jovens “muito heterogéneo”, o objetivo de cada um “podem ser coisas muito diversas”.
“Normalmente o que acontece é cada um identificar-se com uma coisa diferente”, disse Teresa Campos, referindo que “alguns têm mais que ver com o lado musical, outros com poder experimentar, outros com estarem em grupo, outros com conhecerem pessoas muito diferentes deles, ou ainda com fazerem parte de alguma coisa”.
O projeto Acorde Maior, que conta com o apoio da Caixa Económica do Montepio Geral, é inspirado no ‘Future Band’, grupo criado no Barbican Centre, em Londres, em 2009.
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