Confere aqui a entrevista a Tiago Bettencourt:
Palco Principal – “Hoje é o primeiro dia de entrevistas, ou seja, arranjar respostas diferentes para as mesmas perguntas” - eis a frase com que brindou os seus followers no twitter, num dos últimos dias de Fevereiro. Não gosta de entrevistas?
Tiago Bettencourt – Não se trata, necessariamente, de não gostar de entrevistas. Até porque as entrevistas são necessárias. Agora, há entrevistas mais giras e entrevistas menos giras. Penso que depende um pouco da maneira como o entrevistador se prepara. Se a pessoa em questão estiver a par daquilo que ando a fazer, fazer-me-á, eventualmente, perguntas engraçadas. Se, pelo contrário, não souber, acho que não iremos a lado nenhum.
PP – Que perguntas são essas, que considera serem sempre “as mesmas”?
TB – Referia-me àquelas perguntas por vezes inevitáveis em qualquer fase de promoção de um álbum, tais como “como é que começaste a cantar?”, “de que trata o álbum?”, “o que motivou a escolha do título do disco?”, etc. Na verdade, há perguntas às quais já respondi variadíssimas vezes, para as quais já tenho respostas relativamente estruturadas.
PP – A propósito do twitter… Aderiu a esta rede social recentemente e já conta com cerca de 300 followers. São as redes sociais, nos dias de hoje, uma mais-valia na comunicação entre artistas e fãs? Privilegia esta forma de comunicação?
TB – Não sou aquele tipo de artista que procura manter uma relação demasiado próxima com os seus fãs. Gosto muito de falar com as pessoas, mas não é meu propósito estar constantemente a informá-las sobre o meu paradeiro, sobre os meus afazeres. Esse tipo de comportamento não tem muito a ver comigo e não é meu objectivo fazer algo que não seja natural para mim. E com a vulgarização de todas estas redes sociais, surge o perigo de passar essa fronteira. Mas vou tentando contrariar essa tendência, sendo vago o suficiente, para que ninguém saiba mais sobre a minha vida do que aquilo que quero que saibam. Sempre fiz questão de separar a minha vida pessoal da profissional. Não quero que falem de mim pelo que sou, mas sim pela música que faço. Mas, apesar desta minha disposição, tenho plena noção que, hoje em dia, a Internet é importantíssima. E, apesar duma resistência inicial, tenho que me ir habituando.
PP – Além do twitter, já tem também um blog…
TB - Além do twitter, tenho também um blog, criado aquando do lançamento do meu primeiro álbum a solo. O blog começou por ser um espaço onde partilhava com os meus fãs o que acontecia nos meus concertos. No entanto, ao fim de sete concertos, senti que já não tinha nada de novo para contar. Então resolvi começar a escrever outro tipo de coisas, desabafos, tornando o blog, com o passar do tempo, um espaço meu, onde posso escrever tudo o que me passar pela cabeça, com a certeza que tudo o que escreva será recebido pelos meus seguidores de uma forma muito positiva. Quando estive afastado dos palcos, durante o período de gravação do álbum, o blog era o único sítio onde existia perante os meus fãs. É um cantinho bom para mim.
PP – Integrou os Toranja, com quem gravou, entre 2003 e 2005, dois álbuns de sucesso. A “pausa por tempo indeterminado” na carreira do grupo, anunciada nos finais de 2006, já conhece, hoje, uma designação mais concreta?
TB – É óbvio que os Toranja estão acabados. Na altura, optámos pelo termo “pausa”, uma vez que não estávamos zangados uns com os outros. Apenas precisávamos de parar por ali, de forma a seguirmos novos caminhos. Hoje em dia, tenho plena consciência que tudo o que fiz após os Toranja teria sido incapaz de o ter feito com os Toranja. E ainda tenho muito caminho para fazer ao lado do João Lencastre, do Tiago Maia e do Benny Lackner, o novo teclista dos Mantha. Não ponho de parte, contudo, uma futura reunião, quem sabe, quando todos tivermos 50 anos. Sim, porque, de repente, todas as bandas começaram a fazer reuniões. Mas nós ainda não temos idade para reuniões. Enfim, somos amigos e tenho saudades deles. Mas não penso muito nisso.
PP – Como foi iniciar uma carreira a solo, após o fim dos Toranja? Apanhou o comboio do reconhecimento conquistado enquanto vocalista da banda ou sentiu, em algum momento, que começou do zero?
TB – Apanhei o comboio, obviamente. Aliás, fora de Lisboa, há ainda muita gente que me associa aos Toranja. Por isso mesmo, tenho agora um grande trabalho de difusão a fazer, até porque o meu trabalho a solo, sendo mais alternativo do que o trabalho feito enquanto Toranja, não chega tão facilmente a um grande público, ao público que compra discos. Ou seja, apanhei o comboio, mas é minha intenção marcar a diferença entre os dois projectos – o que se revela um processo muito criativo e gratificante.
PP – É público que, inicialmente, não gostava do nome Toranja, até porque este terá sido escolhido, segundo consta, sem grande ponderação por parte da banda. Gosta, no entanto, do nome Mantha? Qual o seu significado?
TB – É verdade que não gostava do nome Toranja, mas apenas numa fase inicial. Como qualquer pessoa, achei um nome idiota. Mas depois adaptei-me. Já o nome Mantha foi um nome escolhido por mim e pelo baterista, ainda que sem grande lógica ou história. Estávamos em Montreal em busca do nome ideal e acabou por surgir Mantha. Acrescentámos-lhe um h, pois achámos que ficaria engraçado. É, simultaneamente, um nome de um peixe e o apelido de um jogador de hóquei canadiano. E soa bem: Tiago Bettencourt & Mantha…
PP – “Em Fuga” foi gravado, à semelhança do seu primeiro disco a solo, em Montreal, com Howard Bilerman. Porquê a escolha de Bilerman como produtor dos dois discos?
TB – Escolhi o Howard como produtor dos meus dois discos a solo, pois senti nas suas gravações, incluindo a dos Arcade Fire, uma faceta muito orgânica. Ele consegue captar qualquer coisa para lá do instrumento, qualquer coisa para lá da gravação em estúdio - o que, hoje em dia, com tanta tecnologia disponível, com tantos programas de produção, nem sempre é fácil. Actualmente, é tudo muito computorizado. O risco de se perder a parte humana da música é constante. Mas o Howard não deixa isso acontecer. Andava à procura de alguém que trabalhasse como o Howard praticamente desde o início da minha carreira. Era exactamente por ali que queria ir. Gostámos muito de trabalhar um com o outro nas gravações de “O Jardim”. Foi uma temporada que passou muito rápido, soube a pouco. Por isso, era inevitável voltarmos a trabalhar juntos neste segundo registo.
PP – Algures no seu blog, refere-se a Montreal como um refúgio seguro e criativo – um local onde “as pessoas partilham música e inventam formas honestas de transmitir emoções”, um local onde “existe vontade de partilhar o talento, de aprender coisas novas…”; um local que contraria, a seu ver, o que acontece actualmente em Portugal, onde “tudo está parado”, onde “não existe realmente vontade de arriscar”, onde “todos procuram fórmulas vencedoras à partida”, onde “a ideia de investir na diferença, antes de ser provada noutro país, não é apropriada para a actual situação da indústria”. É crítico, na sua opinião, o panorama da música em Portugal?
TB – Há, na verdade, alturas em que fico um pouco revoltado com o Top Nacional de Vendas e com as armadilhas criadas por alguns artistas para vender discos. Irrita-me olhar assim para a música, de uma forma tão redutora, tão excessivamente comercial. Por vezes, ultrapassa-se o limite do absurdo. Chegam a usar-se coisas que não deveriam ser usadas, coisas antigas que são para deixar paradas. Nota-se um desespero de vender discos que, aliados a uma promoção gigantesca, vendem, vendem e vendem, acabando os seus autores por serem confundidos com talentos. Esta tendência existe muito em Portugal, tal como também existe lá fora. Mas eu vivo em Portugal e sinto-me, de vez em quando, tal como outras pessoas que vivem noutros países e que estão a tentar encontrar o seu caminho no mundo da música, claustrofóbico, com necessidade de viajar, de conhecer outras pessoas, outras maneiras de interpretar a música. Por outro lado, existem em Portugal aquelas bandas que só agora parecem ter descoberto os Strokes (que já estão em actividade desde 1998), que são recebidas como se estivessem a fazer qualquer coisa de novo. É apenas mais uma prova do atraso deste país. Contudo, há também gente com muito talento, que está a desenvolver projectos muito bons. Não têm, no entanto, o carinho dos media, ou não são, simplesmente, fenómenos de onda. Sim, porque este país vive muito de fenómenos de onda. “Agora está na moda gostar destes, vamos, então, todos gostar destes. Não fazemos ideia quem ele é ou o que faz, mas pronto, vou assistir a um concerto deles e vai ser muito cool”. Enfim, há gente a fazer coisas muito boas, mas, por vezes, acarinham-se as pessoas erradas, o que causa, na minha opinião,uma certa estagnação criativa.
PP – Como tenta marcar a diferença em “Em Fuga”?
TB – Os meus álbuns resultam sempre das experiências vividas desde a edição do álbum anterior: tudo o que ouvi desde então, dos filmes que vi, das viagens que fiz, etc. Neste disco, especificamente, deixei-me influenciar por toda uma onda acústica que voltou, pelo fado, por coros. Esses foram os pontos de partida para o álbum, mas acabei por desviar-me um pouco. No fundo, misturei várias influências, procurei os dois extremos: o pesado e o “levezinho”. Gosto muito de o fazer e, ao fazê-lo, não estou a contrariar nada. Estou, simplesmente, a fazer algo contemporâneo, que seja natural para mim. Sei que há soluções que resultam, mas não vou atrás delas. Talvez possa tentar subvertê-las, mas não as vou usar.
PP – Sente o mundo da música em Portugal dividido em três: “o lado demasiado pseudo-alternativo e aborrecido, aclamado pela crítica”; “o lado comercial, muito mau mas aclamado pelo público”; e, “no meio, as coisas com qualidade, ou apenas audíveis, mas condenadas a desaparecer por falta de sítio onde crescer”. Que projectos musicais não gostava que desaparecessem, por assim dizer?
TB – Gosto muito dos doismileoito. São uns miúdos com um talento enorme, mas muito pouco difundidos. Gosto muito dos Oioai também. E do Samuel Úria. Assisti ao seu concerto no Super Bock em Stock e posso dizer que foi um dos melhores. Os Quais são muito engraçados também. O Slimmy também é muito bom. Agora, até que ponto estas pessoas todas conseguem vender? Acho difícil.
PP – “Em Fuga” – foi o título escolhido para o novo álbum. Costuma fugir?
TB – Tenho imensas tendências para fugir, mas, atenção, nem sempre a fuga é um acto de cobardia. Por vezes, a fuga é um acto de mudança, que envolve muita coragem. Quando não estamos bem, temos que mudar. Quando nos apercebemos que algo nos está a destruir, temos que mudar, para agarrar coisas que nos façam sentir melhor. E esta atitude aplica-se a tudo: ao amor, ao trabalho, ao caminho que seguimos na vida. Ao dizer isto, sei que não digo nada de novo. Simplesmente, é este o assunto que o álbum trata.
PP – O que motivou a escolha da Inês Castelo Branco para dar voz ao tema Cuidas de Mim?
TB – A Inês mostrou-me, há imenso tempo, uma gravação dela a cantar com a Jacinta, num programa de televisão, e eu achei a voz dela muito bonita, muito sensual. Eu fascino-me por vozes com personalidade. Porque uma voz com personalidade não precisa de ser uma grande voz, não precisa de ser uma voz cheia de truques. Há muita gente com boa voz em todo o lado, mas há muito pouca gente com personalidade na voz, que a saiba usar, que saiba, com ela, transmitir mais qualquer coisa, sem esforço. A Inês tem uma voz dessas. É uma espécie de prolongamento da pessoa que ela é.
PP – Que conselhos daria aos músicos portugueses que começam agora a dar os primeiros passos na música?
TB – Os meus conselhos são sempre muito clichés. Estão relacionados com o facto de sermos verdadeiros para com o nosso trabalho, que deverá reflectir aquilo que somos. A música, na minha opinião, tem que ter uma função de libertação, tem que transmitir emoções. E para conseguirmos transmitir emoções, temos que ser honestos com aquilo que fazemos, e deixar de pensar no que é que as pessoas à nossa volta vão achar daquilo que estamos prestes a fazer. Ouçam muito boa música e comecem a ter uma noção de auto-crítica. Isso também é importante.
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