“Decerto a obra mais conhecida do enorme escritor que é Aquilino Ribeiro” e “uma das mais apreciadas e populares”, considera Maria Alzira Seixo, autora do prefácio à obra, que chega às livrarias no dia 25, reeditada pela Bertrand.
“O Malhadinhas” pode não alcançar em aparência a grandeza de “A Casa Grande de Romarigães”, mas “entra em despique com os elogios” feitos a romances como “Andam Faunos pelos Bosques” ou “O Homem que Matou o Diabo”, embora seja uma narrativa curta e não seja um romance.
Não existe a típica construção linear do texto com as caracterizações de ambiente ou as construções de complexas ações humanas, mas antes o desenrolar da vida de um homem rústico, o tio Malhadas, herói da história, cuja temática “rica e criteriosamente desenvolvida”, é o trabalho, a natureza, a vida no campo, o amor, a viagem, as relações humanas e os hábitos rústicos, descreve Maria Alzira Seixo.
A professora e ensaísta destaca ainda a “notável caracterização das personagens e do território que habitam” e o “estilo compósito que liga notação erudita e popular”, que fazem deste “um dos textos mais significativos e mais belos da ficção” em português.
Contudo, apesar de curta, a narrativa é grande o suficiente para também não ser considerada um conto, uma vez que ultrapassa as suas dimensões restritas e episódicas, e a sua ação é medianamente complexa, pelo que pode considerar-se uma novela, defende.
“O modelo mais perfeito da novela picaresca em língua portuguesa”, segundo a editora.
Contudo, Maria Alzira Seixo não considera que Malhadinhas seja um pícaro, embora lhe reconheça muitos traços em comum com o pícaro espanhol – a novela picaresca é um subgénero literário narrativo da ficção em prosa, muito característico da literatura espanhola, geralmente satírico e que descreve as aventuras de um herói malandro de classe social baixa.
“O Malhadinhas pode ser lido como apresentando certos traços dessa base cultural, mas, no fundo, é um herói que, sem precisões, não sofre necessidades, não tem fome nem padece de mínguas, nem faz caminhadas para fugir a perigos ou castigos da lei”, explica, num apêndice ao prefácio.
O almocreve Malhadas, que é também narrador, descreve logo algumas das suas facetas: o prazer do domínio, a crença na cultura adquirida com a experiência de vida, a nostalgia da juventude, a consciência do valor de si mesmo, e o apego à terra e aos seres que a povoam, em especial, a família.
Em tom memorialista, “uma das fortes componentes da construção da obra”, narra as suas viagens pelo centro interior do país, a vender e a comprar, sempre na companhia da sua mula, do seu alforge e da sua faca, que usa em defesa própria, seja para lidar com animais, arranjar comida ou defender-se dos perigos.
O pau de marmeleiro fica em casa, para usar nas feiras, quando lhe ferem a honra.
Maria Alzira Seixo destaca a forma como Aquilino Ribeiro joga com o seu texto, “numa espécie de embrechado de caixinhas chinesas, em que umas se tiram de dentro das outras”, apresentando no início da obra uma “nota preliminar”, a que se segue um introito, e finalmente o texto.
Na nota preliminar, um texto de tipo autoral, Aquilino Ribeiro explica a relação entre “O Malhadinhas” e “Mina de Diamantes” (a outra novela que se lhe segue, na mesma edição): “O Malhadinhas” estava inicialmente incluído em “Estrada de Santiago” (1922), mas acabou por ser publicado em volume autónomo, em 1958, e tornou-se diminuto para figurar sozinho em volume, razão por que acrescentou a novela “Mina de Diamantes”.
A seguir, o introito surge em itálico e sem assinatura, diferenciando-se do restante texto e fazendo desta página já parte do romance, “mas de modo indecidível”, ligando o extratexto ao próprio texto, conectando a palavra do autor com a palavra do escritor, considera Maria Alzira Seixo.
Neste mesmo texto, surge a voz de alguém que mostra conhecer a personagem que dá nome ao livro - apresenta o herói e faz a sua descrição como quem o conhece pessoalmente – e que se situa entre o autor e uma personagem testemunhal.
Sobre o estilo, Maria Alzira Seixo afirma que esta novela se apoia na vida e na morte, mas é um “texto estuante de vida”, no qual a vida do “tio” António Malhadas é contada pelo próprio a uma entidade plural não nomeada – os leitores -, constituindo uma “fala interior que é paralela à ação desenvolvida”.
A prosa é “rica em diversidade e em surpresa, com um vasto arsenal de regionalismos”, em vocábulos e designações inesperadas, dada a variedade de regiões percorridas e situações enfrentadas, e, “acima de tudo, pelo português-de-lei que usa e, em muitos casos, o autor mesmo cria, de modo incomparável”, descreve.
“Qualidade bem aquiliana, como é sabido, mas que neste livro atinge uma dimensão superior”, sublinha.
Este volume, tal como a edição original, tem desenhos de Bernardo Marques, destacado ilustrador pertencente à segunda geração de pintores modernistas portugueses.
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