Na véspera de se celebrar mais um aniversário da revolução que pôs fim à ditadura do Estado Novo, estreiam-se hoje três filmes portugueses que abordam os princípios da democracia, da liberdade e da cidadania.

“A Savana e a Montanha”, de Paulo Carneiro, é sobre uma comunidade que decide unir-se para expulsar uma empresa estrangeira que quer construir uma mina de exploração de lítio na sua aldeia.

Numa encenação de um faroeste, a população mobiliza-se com tratores, enxadas, carros de bois, cantigas de protesto contra um inimigo invisível e distante: a empresa estrangeira e o governo que autorizou o projeto de exploração.

Este “western social” é uma encenação de uma luta real de associações locais, ambientalistas e habitantes de Covas do Barroso e de Boticas (Vila Real), contra um projeto da empresa britânica Savannah Resources, de exploração de lítio a céu aberto, numa área transmontana que está classificada como Património Agrícola Mundial.

Em 2024, quando o filme foi exibido no Festival de Cinema de Cannes (França), Paulo Carneiro contou à agência Lusa que começou por fazer “uma espécie de documentário”, mas acabou por envolver os habitantes de Covas do Barroso na escrita de uma ficção para que eles concretizassem aquilo que não conseguiram ainda na realidade, impedir o projeto mineiro.

“Quando se entra na luta não se sai da luta. E nós, com o cinema, usamos o cinema como arma dessa luta. A verdade é que nunca ninguém desistiu e o filme existe. (...) É um bocado difícil de acreditar que o cinema pode mudar alguma coisa, mas pelo menos que dê visibilidade e que faça com que se fale sobre o que se está a passar, que dê voz ao que acontece neste momento no terreno”, afirmou Paulo Carneiro.

"Camarada Cunhal" créditos: Filipe Feio, NOS

Outro dos filmes que se estreia hoje é “Camarada Cunhal”, de Sérgio Graciano, sobre Álvaro Cunhal, quando passam duas décadas da morte do líder histórico do PCP.

O filme centra-se, sobretudo, na fuga de Álvaro Cunhal e de outros militantes comunistas, em janeiro de 1960, da Fortaleza de Peniche, que tinha sido transformada em prisão política pelo regime de Salazar.

Com o ator Romeu Vala a interpretar o papel de Álvaro Cunhal, o filme denuncia ainda a repressão da ditadura, as depauperadas condições da prisão e os estratagemas de comunicação entre os presos e com o exterior, que permitiram a operação de fuga, com o auxílio de um guarda da GNR.

Na composição do retrato de Álvaro Cunhal, o filme recorda ainda a tortura de que foi vítima, a capacidade de mobilização política dentro da prisão e os escritos deixados em vários cadernos.

Além de Romeu Vala, “Camarada Cunhal” conta com as interpretações de António Mortágua, Tiago Teotónio-Pereira, Luís Lobão, Filipa Nascimento, Frederico Barata, Gonçalo Neto Arroja, Tobias Monteiro, Guilherme Moura e Helena Caldeira, entre outros.

"O Palácio de Cidadãos": Trabalhadores das pedreiras, minas e lavarias, nos Passos Perdidos da Assembleia da República, dirigem-se às galerias, para assistir à discussão da sua petição e Projetos de Lei que, se aprovados, terão impacto positivo nas suas reformas

O filme “O Palácio de Cidadãos”, de Rui Pires, propõe que os portugueses olhem para si mesmos e para o estado da democracia através de quem trabalha dentro da Assembleia da República.

“O Palácio de Cidadãos” é um documentário sobre um ano de atividade parlamentar, entre 2018 e 2019, quando Eduardo Ferro Rodrigues era presidente da Assembleia da República e com um executivo liderado na altura por António Costa, suportado por uma maioria parlamentar apelidada de “geringonça”.

O filme é uma observação de proximidade do funcionamento da Assembleia da República, de quem lá trabalha, sejam deputados, assessores, jornalistas, auxiliares de limpeza e administrativos.

Rui Pires explicou à Lusa que filmou mais de 400 horas de trabalhos parlamentares, reuniões, audições, debates – na altura decorria a discussão das leis de bases da Saúde e da Habitação -, cerimónias oficiais, visitas de cidadãos anónimos, condensando “de uma forma muito subtil todas as perceções que as pessoas têm” do que é a Assembleia da República.

“Percebi que, se calhar, há esta confusão entre exatamente quem gere o país, que é o governo, mas onde se constrói o país é no Parlamento”, afirmou Rui Pires, dizendo que o filme “é um retrato da sociedade portuguesa visto através de um ponto de vista particular, dentro da Assembleia”.