
A peça transdisciplinar, que junta a dança e o texto de André Tecedeiro, estreia-se na quarta-feira no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, partindo em seguida em digressão nacional para Ovar, Penafiel e Loulé.
“Um dos pontos importantes para mim na criação desta peça foi quebrar o cânone do ballet clássico de perfeição e beleza. Fizemos uma audição para escolher pessoas que têm corpos reais, diferentes dos usados tipicamente no ballet, mais políticos, e normalmente sem acesso regular aos palcos”, explicou o encenador em entrevista à agência Lusa sobre a estreia.
“O Lago dos Cisnes” é um bailado clássico composto por Piotr Ilitch Tchaikovsky em 1875-1876, e considerado das obras mais emblemáticas do repertório da dança clássica, que ao longo dos tempos conheceu várias interpretações e finais alternativos, variando entre o trágico e o redentor.
Ícone do romantismo e dos amores impossíveis, continua a ser apresentada por companhias de dança em todo o mundo, tanto em versões clássicas como em reinterpretações contemporâneas.
O bailado é habitualmente apresentado por intérpretes com “corpos padronizados”, mas, neste trabalho, esse é um dos aspetos mais explorados no sentido inverso, da diversidade, sublinhou à Lusa o encenador nascido em Minde, município de Alcanena, distrito de Santarém, em 1984, que ingressou em 2003 na Companhia do Teatro Politeama, onde trabalhou com Filipe La Féria até 2009 e no ano seguinte fundou o coletivo Rosa74 Teatro.
Questionado sobre como tem observado a abertura do público para a questão da diversidade, o artista afirmou: “Há pessoas que aceitam e outros rejeitam a diversidade. Tem havido um despertar, mas é sempre bom abordar e relembrar, até de uma forma política”.
“Nas artes, há um movimento de trazer novos corpos aos palcos, mas é preciso que não seja esporádico. Neste espetáculo, os corpos são algo político e interessa-me que seja assim”, sublinhou o criador que se destacou com espetáculos como “Beco da Saudade”, “Radiografia de um Nevoeiro Imperturbável”, “Sempre Noiva” e “Uma Solidão Igual à Minha”.
O encenador considerou ainda que “é sempre bom recordar que estas pessoas existem e têm de ter o seu espaço”, alertando que “pode haver um retrocesso [no regime político do país] se continuar esta deriva para uma direita radical”.
Nesse cenário, Daniel Gorjão acredita que “é completamente possível que não se possam apresentar determinados corpos em cena, por isso [há que] o fazer, e lutar por essa diversidade”.
Com produção do Teatro do Vão, “O Lago dos Cisnes” conta com interpretação de Batata, Duarte Melo, Inês Cóias, Rita Carolina Silva e Zé Couteiro.
O bailado original centra-se no príncipe Siegfried, que, durante uma caçada noturna, descobre Odette, uma princesa sob o efeito de um feitiço do mago Rothbart, em conluio com a filha Odile, o cisne negro, símbolo do mal.
Odette transforma-se num cisne durante o dia, uma maldição que só poderá ser quebrada com um amor puro nesta narrativa romântica marcada pela paixão, o engano e o sacrifício.
O espetáculo de Daniel Gorjão faz também o inverso da linha de criação de bailados inspirados a partir de peças de teatro como é o caso de “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, ou “Peer Gynt”, de Henrik Ibsen.
“Eu quis fazer o contrário, e tentar dar voz e palavras a esta coreografia. Transformar a narrativa numa peça de teatro que se tornou num espetáculo transdisciplinar”, descreveu o autor cujo percurso artístico se iniciou com formação em Artes Dramáticas, o curso de Formação de Atores da Universidade Moderna, a Escola Superior de Teatro e Cinema, e um mestrado em Comunicação e Artes pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
O bailado é conhecido pela sua música envolvente, coreografia exigente e simbolismo visual forte, com destaque para o dueto entre Odette e Siegfried e para a icónica dança dos pequenos cisnes.
"Nesta ideia de estilhaçar o cânone, este ‘Lago dos Cisnes’ será um espetáculo que junta a herança do bailado a uma linguagem teatral, concretizada em intérpretes que desafiam o padrão. Tem um triplo propósito: experimentar uma linguagem híbrida; rever os ideais de perfeição e questionar o mito associado ao bailado", acrescenta o responsável pela direção artística.
Para Daniel Gorjão "é sempre interessante ver como um clássico evolui: um clássico tem uma grande atualidade sempre, é sempre de ver o que podemos retirar e trabalhar para a atualidade", aponta.
Com direção artística de Daniel Gorjão e texto original de André Tecedeiro, “O Lago dos Cisnes” estará em cena no CCB de 28 a 30 de maio, às 20:00, com interpretação em Língua Gestual Portuguesa no dia 29 de maio.
Depois da estreia em Lisboa, será apresentado no Centro de Arte de Ovar, a 6 de junho, no Ponto C, em Penafiel, a 21 de junho, e no Cineteatro Louletano, em Loulé, a 5 de outubro.
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