Algumas das maiores estrelas masculinas do cinema francês testemunharam num inquérito parlamentar sobre violência sexual na indústria cinematográfica, dizendo que podem ter falhado ou até mesmo sido culpadas de comentários inapropriados antes de o movimento #MeToo mudar as mentalidades e atitudes.

Jean Dujardin, vencedor do Óscar em 2012 por "O Artista", assim como outros heróis do grande ecrã como Gilles Lellouche, Pio Marmai e Jean-Paul Rouve, concordaram em falar com os legisladores no mês passado a portas fechadas.

Uma transcrição dos seus comentários foi publicada no site da Assembleia Nacional Francesa (a câmara baixa do Parlamento) na terça-feira, que a agência France-Presse (AFP) consultou.

Dujardin viu com agrado o #MeToo, que levou a uma série de escândalos na indústria francesa, mas que teve resistência inicial ao ser visto como uma importação puritana americana por algumas figuras importantes, incluindo a atriz Catherine Deneuve.

"Não vemos tudo - e talvez não queiramos ver", disse Dujardin, de 52 anos, quando questionado por que os atores homens não se manifestaram antes para proteger as suas colegas mulheres ou denunciaram a violência sexual. "Acho que o movimento #MeToo tem sido útil desse ponto de vista."

O ator acrescentou que "já não dizemos o que costumávamos dizer há 10 ou 15 anos e também não diremos as mesmas coisas dentro de dez anos... sinto que reações sexistas e comentários desastrados estão gradualmente a desaparecer."

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O #MeToo abalou a indústria cinematográfica francesa a partir de 2017, tal como em Hollywood, expondo a uma problemática conduta sexual generalizada e desafiando uma cultura de silêncio de longa data.

Vários atores e realizadores de alto nível foram acusados, incluindo Gérard Depardieu, herói nacional e estrela de "Cyrano de Bergerac", que enfrenta alegações de mais de uma dúzia de mulheres.

Espera-se o veredito num julgamento de agressão sexual na próxima segunda-feira.

Outros alvos incluem o cineasta Christophe Ruggia, que foi considerado culpado de agredir sexualmente uma jovem atriz no mês passado, e Roman Polanski, que fugiu dos EUA na década de 1970 antes de saber a pena por ter sido considerado culpado num caso de violação.

A atriz Judith Godrèche, que ajudou a lançar a criação do inquérito parlamentar, acusou dois realizadores franceses — Benoit Jacquot e Jacques Doillon — de abusarem dela quando era adolescente. Ambos negam as acusações.

Inapropriado

Gilles Lellouche

Gilles Lellouche, estrela francesa amplamente admirada que dá voz a Obélix nos filmes de Astérix e dirigiu o sucesso nacional do ano passado ""Corações Partidos", com estreia prevista para julho em Portugal, disse que #MeToo o levou a refletir sobre a sua conduta.

"Se examinar o meu próprio comportamento, certamente que devo ter sido desajeitado - é óbvio", disse o ator de 52 anos, que também teve uma participação especial na série de sucesso francesa "Dix pour cent".

Pio Marmai , de 40 anos, concordou.

"Acho que posso ter sido desajeitado na forma como expressei as coisas. Tento criar sempre uma atmosfera de trabalho relaxada e alegre e, às vezes, devo ter feito piadas que foram mal interpretadas", disse.

E notou: "Houve alturas em que pedi desculpas, tanto verbalmente quanto por escrito, à pessoa que se ofendeu com os meus comentários."

Pio Marmai

Jean-Paul Rouve, que entrou ao lado de Marion Cotillard no filme biográfico de Edith Piaf "La Vie en Rose" (2007), que valeu um Óscar à atriz, disse que "nenhuma amiga atriz jamais me disse sobre uma rodagem que um certo realizador ou ator foi inapropriado."

E acrescentou: "O que costumávamos ouvir era 'Oh, ele é algo sedutor.' Mas não poderia ter imaginado o que estavam a passar ou até que ponto poderia ir. Como homem, não tive essa experiência — é um mundo que descobri."

Jean-Paul Rouve

Vários atores enfatizaram que o comportamento inapropriado não era restrito aos homens, com atrizes ou realizadoras também culpadas.

Lellouche relatou uma experiência envolvendo uma mulher realizadora que tentou "seduzi-lo".

"Não me senti violentamente atacado — foram coisas como mãos por debaixo da minha camisa. Se eu tivesse feito o mesmo com uma mulher, não teria sido aceitável", acrescentou.

Os deputados aprovaram a criação da comissão de inquérito em maio passado.

Ela é liderado pela deputada do Partido 'Os Verdes' Sandrine Rousseau.