"Este projeto começa no final de 2017, fiz então um primeiro espetáculo [‘O Fascismo (Aqui) Nunca Existiu!’] relativamente aos anos de 1945-74, foi uma espécie de retrato do fascismo e do Estado Novo através das memórias que dele vim tendo, é uma biografia muito leve porque misturo um conjunto de coisas, não sou eu mesmo que estou ali, [...] são os portugueses", disse à Lusa José Leitão, fundador e diretor do Teatro Art’Imagem.

O encenador e dramaturgo, que celebra este ano o seu 73.º aniversário, conta que o projeto "Identificação do Meu País", no qual está inserida a peça, surgiu da vontade de "deixar um testemunho" e "é um balanço do que viveu e como viveu o país segundo as suas memórias [...] reconstruídas ao longo deste tempo todo de vida."

"Uma das razões da arte e do teatro é avivar memórias, fazer perguntas ao passado para respondermos ao presente", disse José Leitão, que explicou que só se interessa pelo passado "se o passado tiver alguma coisa a ver com o presente."

"Sem sabermos a história, sem perguntarmos ao passado nunca perceberemos o que se está a passar no presente. De facto, presentemente as coisas têm nuvens bastante negras que ameaçam chuvas e tempestades, [...] aparentemente a determinados níveis as coisas melhoraram bastante e para melhor, a outros níveis principalmente no político as coisas estão de facto a descambar para trás", afirmou o encenador.

José Leitão diz não ser pessimista, antes "um otimista com muito pessimismo", e considera que "as coisas estão a ter desenvolvimentos bastante perigosos", embora acredite que o homem "enquanto ser pensante vai ultrapassar isto" desde que esteja "consciente".

Na peça, a revolução de 1974 não é abordada em "toda a sua plenitude" e o encenador optou por dar protagonismo à madrugada de 25 de Abril, que descreve como uma das mais "gloriosas da história [portuguesa]", e aos dias que se seguiram, os "mais felizes do país em toda a sua história".

Para além de ser uma "homenagem a esses dias, ao povo português e à história" nacional, a peça é uma homenagem ao teatro que também passou uma revolução ética depois do 25 de Abril, "pondo-se ao serviço daquilo que é a sua função de comunicar com o povo, levantar problemas e questionar a vida", sendo o teatro de hoje "estilhaços" da revolução.

O espetáculo "é fundamentalmente um [...] de teatro de atores", mas "está muito contaminado pelo audiovisual", pois, como conta José Leitão, havia vontade de homenagear o cinema, a televisão, a fotografia, a música e as artes plásticas que estiveram "no meio do furacão" e "retrataram muito bem este tempo histórico".

O projeto é um tríptico que deverá terminar em 2021 com a peça "Ai, O Medo que (Nós) Temos de Existir!" que o encenador explicou ser o seu "entender e a visão pessoal e artística sobre o que foram os anos depois do 25 de Abril", passando pelos "acontecimentos da troika, das coisas que mudaram, das coisas que mudaram para pior e das coisas que é preciso recuperar".

A peça pode ser vista na Maia nos dias 24 e 25, seguindo-se depois encenações em Ponte de Lima (dia 27), Aveiro (3 de maio) e Póvoa de Varzim (4 de maio).