"A estrutura estabelecida diz que o artista deve expor numa galeria ou num museu. Obviamente aqui [nos armazéns Bon Marché] estamos a transgredir a tradição. Mas em vez de fechar o meio artístico, estes locais abrem os públicos para o meio artístico. A arte contemporânea, quanto mais vista, mais influência tem e mais altera as formas de pensar. Ora, vir a estes locais mais inusitados para a arte contemporânea é ampliar a sua intervenção na sociedade", disse a artista portuguesa em entrevista à Lusa na capital francesa.
A exposição de Joana Vasconcelos no Bon Marché é inaugurada oficialmente na quinta-feira e fica patente até dia 17 de fevereiro, englobando uma das suas Valquírias com 30 metros que abrange a escadaria principal e os três andares deste armazém parisiense, assim como as suas montras que dão para algumas das ruas mais prestigiadas da margem esquerda do Sena.
A valquíria, figura recorrente na obra da artista portuguesa, tem desta vez o nome de Simone, inspirada tanto na política e ativista Simone Veil como na escritora e filósofa Simone de Beauvoir, mulheres que Joana Vasconcelos considera como "grandes personagens francesas".
"É a ideia que há mulheres que marcam a sua cultura e a transformam, trazendo uma nova perspetiva para a cultura onde se inserem. A ideia de transformação é o que me interessa, mulheres que no seu tempo transformaram através da sua perspetiva. É uma projeção da minha parte, era o que eu gostava de fazer no meu tempo", explicou a artista.
Desta vez, é uma valquíria inteiramente branca - inserida no tradicional mês do branco do Bon Marché que nos últimos quatro anos tem chamado alguns dos artistas mais prestigiados da arte contemporânea para expor no seu espaço - intercalando tricot, crochet e LED que envolve o percurso dos clientes desta loja francesa.
"Há uma interação de técnicas entre o ‘craft’ e as tecnologias, nós misturamos duas coisas que no mundo existem separadamente. Nós construímos coisas grandes com uma técnica que usa as mãos", descreveu Joana Vasconcelos, revelando que este projeto demorou cerca de dois anos a ser concluído, teve o contributo de mais de 60 pessoas e que vieram cerca de dez pessoas do seu ateliê para a montagem na capital francesa - que está a decorrer desde o início do ano.
Para Vasconcelos, é um regresso às suas origens. Nascida em Paris, onde viveu até aos quatro anos, e educada em Portugal, a artista admite que esta seria a segunda cidade, depois de Lisboa, onde poderia viver devido à relação que mantém a capital francesa a diversos níveis.
"A minha relação com Paris é bastante íntima, pessoal e, ao mesmo tempo, profissional. Eu nasci aqui há 47 anos e todo este tempo depois estou a colocar aqui duas peças: uma que é o ‘Coração de Paris’, na Porta de Clignancourt, onde eu nasci e onde o meu coração começou a bater, e estou a vir ao Bon Marché, que é um local iconográfico da história francesa onde integro aqui uma dimensão do luxo, do social", disse a artista portuguesa.
O projeto do “Coração de Paris” foi escolhido pelos habitantes do 18.º bairro e pela Câmara Municipal, tendo inauguração prevista entre o fim de janeiro e o início de fevereiro.
A artista não esquece as dificuldades passadas pelos pais na transição entre Portugal e França e considera "um privilégio" ter nascido e crescido em democracia.
"Eu sou a primeira fornada a ser educada desde a primeira classe em democracia em Portugal e isso significa um privilégio grande e agora, com a minha idade, quem deu valor a essa democracia e ao país que temos, está em locais de destaque naquilo que faz. É na minha geração que se recoloca o país no mapa. Assim como os portugueses da diáspora também têm lugares importantes e olham para Portugal de outra maneira. É fruto dessa democracia", resumiu a artista.
Joana Vasconcelos inaugura, no dia 14 de fevereiro, uma exposição em Serralves, no Porto, e nos meses seguintes vai ainda expor em Colónia, na Alemanha, Edimburgo, na Escócia, Roterdão, na Holanda e Madrid, em Espanha.
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