A detenção de um premiado argumentista de séries de comédia por publicações nas redes sociais sobre pessoas transgénero reacendeu um debate no Reino Unido sobre a liberdade de expressão, com um ministro do governo a dizer na quarta-feira que "precisamos de analisar" a lei.

O escritor irlandês Graham Linehan, co-criador de "Father Ted", uma popular série de comédia dos anos 1990, disse ter sido detido por cinco polícias armados no aeroporto de Heathrow, em Londres, na segunda-feira, por publicações críticas ao género nas redes sociais.

Linehan foi também co-criador de outros populares séries, "Black Books" e "The IT Crowd", que recebeu prémios Emmy e BAFTA. Mais recentemente, tornou-se conhecido pelas suas visões críticas de género, que surgiram após um episódio que escreveu ter sido criticado por ser transfóbico.

Na quinta-feira, compareceu num tribunal em Londres por causa de outro caso no qual é acusado de assédio e danos criminais contra uma pessoa transgénero.

"O caso Graham Linehan é mais um exemplo da guerra contra a liberdade no Reino Unido", disse Nigel Farage, aliado do presidente dos EUA Donald Trump, cujo Partido Reformista lidera as sondagens eleitorais no Reino Unido. Acrescentou que "a liberdade de expressão está sob ataque e peço aos EUA que estejam vigilantes".

Graham Linehan à chegada ao tribunal de Westminster em Londres a 4 de setembro de 2025

A Polícia Metropolitana de Londres (MPS, pela sigla original) informou que um homem foi detido na segunda-feira, depois de chegar num voo dos EUA, por suspeita de incitar violência em relação a publicações na rede social X (antigo Twitter).

"A detenção foi feita por agentes da unidade de aviação da MPS", disse a polícia.

"É rotina os polícias dos aeroportos transportarem armas de fogo. Não foram sacadas nem usadas em nenhum momento durante a detenção."

"Totalitarismo"

Linehan disse que a detenção estava relacionada com três mensagens publicadas na rede social X.

Numa das publicações, Linehan disse que "se um homem transgénero estiver num espaço exclusivo para mulheres, está a cometer um ato violento e abusivo".

"Faça uma cena, chame a polícia e, se tudo o resto falhar, dê-lhe um murro nas bolas", disse.

Wes Streeting, ministro da Saúde, disse ao programa Today, da BBC, na quarta-feira: "Queremos que a polícia se concentre em policiar as ruas, e não em 'tweets'".

"Se, ao longo dos anos, com boas intenções, o parlamento impôs cada vez mais expectativas sobre a polícia e diluiu o foco e as prioridades do público, isso é obviamente algo que precisamos de analisar", acrescentou.

A prisão voltou a chamar a atenção para as leis de liberdade de expressão do Reino Unido.

J.K. Rowling, criadora de Harry Potter, também conhecida pelas suas opiniões críticas de género, considerou a detenção de Linehan "completamente deplorável" e "totalitarista".

O multimilionário da tecnologia e dono da X, Elon Musk, disse que a Grã-Bretanha era um "Estado policial".

O novo líder do Partido Verde do Reino Unido, Zack Polanski, defendeu a detenção como "proporcional" dado o conteúdo das publicações, mas disse não saber porque é que os polícias estavam armados.

A liberdade de expressão fez recentemente manchetes no Reino Unido depois de centenas de pessoas terem sido detidas por demonstrarem apoio ao grupo de campanha Palestine Action [Ação Palestiniana]. O grupo foi banido como grupo terrorista depois de os seus ativistas terem invadido uma base aérea britânica e atirado tinta aos aviões.

O vice-presidente dos EUA, JD Vance, tem-se manifestado particularmente sobre o assunto, tendo-o abordado com o primeiro-ministro Keir Starmer durante uma reunião na Casa Branca, em Fevereiro.

Em tribunal por acusação de assédio a uma pessoa transgénero

Graham Linehan à frente do tribunal de Westminster em Londres a 4 de setembro de 2025

Na quinta-feira, o premiado argumentista de comédia compareceu no tribunal de Westminster, em Londres, para enfrentar acusações de danos criminais e assédio por publicações "abusivas e vingativas" contra uma pessoa transgénero, Sophia Brooks, de 18 anos.

A procuradora Julia Faure Walker disse ao tribunal que Linehan publicou 'online' sobre Brooks "implacavelmente" e que o seu comportamento equivalia a assédio.

As publicações foram "calculadas para causar alarmismo ou angústia... eram verbalmente abusivas e vingativas e refletiam... a profunda antipatia do senhor Linehan por Brooks", acrescentou.

Nas publicações, Linehan acusou Brooks de "terrorismo doméstico" e chamou a pessoa ativista de "sociopata profundamente perturbada" e "narcisista maléfica", segundo o tribunal.

Disse ainda que Brooks, que tinha 17 anos na altura das publicações, estava "por trás de inúmeros episódios de assédio a mulheres e homens homossexuais, tanto 'online' como 'offline'".

"Estas publicações não eram apenas irritantes... eram bastante opressivas e inaceitáveis", disse Walker.

Quando se encontraram à margem de uma conferência, a 19 de outubro, Linehan "arrancou deliberadamente o telefone da mão de Brooks" enquanto estava a ser filmado, acrescentou.

Linehan, que permaneceu sentado de braços cruzados durante toda a audiência, nega as acusações. Posou com alguns dos cartazes de pessoas que protestavam à frente do tribunal.