Antecipando a sua passagem pelo Sintra Misty, o Palco Principal esteve ao telefone com o músico sueco, numa conversa onde se falou de «Spellbound» – o último longa duração editado este ano –, de um percurso com algumas variações musicais e de estilo, de como os Abba deram a independência aos músicos suecos ou, ainda, de como o filho de quatro anos lhe pediu para cortar o cabelo e fazer a barba.
Palco Principal - A aventura pop de Jay Jay Johanson começou num confortável trip hop lounge, atravessou uma revolução electroclash e, nos dias de hoje, aninhou-se numa atmosfera acústica com um intenso perfume jazz. O que conduziu a estas mudanças? A história da música, uma visão pessoal do mundo ou a necessidade de não se repetir?
Jay Jay Johanson - Julgo que houve apenas um momento em que precisei de mudar alguma coisa, e isso aconteceu depois de ter gravado “Whiskey” (1996), “Tattoo” (1998) e “Poison” (2000) e de três tours mundiais. A gravação destes discos decorreu sempre da mesma forma: no mesmo estúdio, com as mesmas pessoas, o mesmo equipamento e o recurso constante aos samplers. Depois disto fiquei realmente aborrecido e não queria repetir tudo outra vez. Tinha vontade de explorar novos territórios, de trabalhar com outros produtores, já que tinha sido eu a produzir e a fazer os arranjos em todos os discos anteriores. Foi com esse espírito que fizemos “Antenna”, com um produtor alemão, onde decidi pedir a opinião de outras pessoas sobre os vídeos e todo o trabalho artístico. A mesma ideia transpareceu para o álbum seguinte (“Rush”), mas às tantas senti que o material do disco mais parecia um conjunto de remixes de canções do que a forma como as minhas canções deveriam verdadeiramente soar. Então decidi regressar ao ponto de partida, voltando a trabalhar com as mesmas pessoas, no mesmo estúdio. Mas desta vez exigi que deixássemos de usar o sampler como ferramenta. Queria mostrar que éramos músicos a sério, capazes de desenvolver arranjos e de apostar na improvisação. É por isso que “Self-Portrait” (2008) e “Spellbound” (2011) são a continuação dos primeiros três discos, com a alteração radical de termos parado de utilizar os samplers e de os discos se terem tornado menos sombrios.
PP - O seu visual também foi mudando de acordo com a música, um pouco ao estilo de David Bowie. É uma forma de mostrar o estado de espírito que a sua música atravessa num determinado período temporal?
JJJ - A minha aparência foi conceptual e realmente pensada para o disco “Antenna”, onde trabalhei com fotógrafos, maquilhadores e estilistas. Tive esse aspecto aproximadamente durante duas semanas, até as sessões fotográficas e filmagens terem terminado e ter finalmente lavado o cabelo. Sei que agora o meu cabelo está mais comprido e que a barba está mais cerrada, mas no geral acho que estou bastante parecido com os tempos dos primeiros três discos. As pessoas reconhecem-me na rua e até as roupas são praticamente as mesmas que usava então [risos]. Claro que, mesmo que cortasse o cabelo curto e fizesse a barba, não me iria parecer com o Jay-Jay da capa de nenhum desses discos, afinal estou dezasseis anos mais velho. Mas ao mesmo tempo, quando penso no cabelo comprido e na barba grande, isso adapta-se mais à música de “Spellbound”. Se tivesse este aspecto quando gravei um dos três primeiros discos era algo que certamente não ia colar. Sei que muitos dos meus fãs preferiam que eu cortasse o cabelo e fizesse a barba, e sei que o farei um dia, não vou ficar assim para sempre. O meu filho dequatro anos também já me pediu para fazer isso, por isso vai mesmo acontecer. Mas foi algo que teve mais a ver com um lado preguiçoso, não gasto o tempo a pensar em roupas, estilo ou penteados; prefiro fazê-lo a escrever, a pensar e a explorar os meus instrumentos.
PP - É “Spellbound” a maior aproximação ao artista fundamental no seu percurso (Chet Baker)?
JJJ - Quando descobri a música em criança e percebi que era algo realmente importante, foi quando ouvi Brian Eno e a música ambiente no final dos anos setenta. Sentava-me a noite inteira a desenhar e a pintar ao som da sua música. Depois disso descobri Ryuichi Sakamoto, David Bowie, David Sylvian, Brian Ferry, Nick Drake, até que, em 1985, vi Chet Baker ao vivo, um momento chave da minha vida. Tinha já escrito várias canções antes desse dia, mas foi aí que percebi que, se calhar, também podia fazer aquilo. Até então, pensava que os artistas precisavam de ser extrovertidos, barulhentos, orgulhosos, e eu nunca me tinha sentido como tal. Sentia que poderia ser um escritor de canções, nunca um performer. Mas quando vi Chet Baker percebi que também me podia sentar na sombra, estar tranquilo, ser tímido e sensível. Tornou-se instantaneamente no meu herói, e a ele pertence a maior fatia da minha discografia, a par das bandas sonoras. O seu espírito flutua em todos os meus discos.
PP - Em que se distingue “Spellbound” em relação aos trabalhos anteriores?
JJJ - “Spellbound” é o primeiro disco em que me sinto confortável com a minha voz. Costumava escondê-la por detrás dos arranjos, da produção e da percussão. Pela primeira vez, achei que era um importante instrumento, por isso não a quis esconder.
PP - A Suécia é, hoje em dia, um dos centros de música mais ativos do planeta, com nomes tão diversos como Jens Lekman, The Hives, José González, Peter Bjorn and John, The Knife ou Swedish House Mafia. Como vê a música de hoje na Suécia?
JJJ - Estocolmo é uma cidade muito pequena. Todos os músicos e escritores de canções vão às mesmas lojas de discos, aos mesmos cafés, clubes e restaurantes. Há um bom espírito, mas normalmente não interferimos muito no trabalho uns nos outros. Por vezes acabamos juntos em estúdio – como a colaboração que fiz com os The Knife – ou num café – já me encontrei algumas vezes com o José González –, mas não interferimos no trabalho uns dos outros apesar da cidade ser muito pequena.
PP - Como se tornou a Suécia num dinâmico produtor e exportador de música?
JJJ - Tudo começou com os Abba, nos anos 70. Foi então que o resto do mundo passou a manter a Suécia debaixo de olho. Desde então, umas vezes mais do que outras, mantivemos um bom nível de exportação. Com os Abba, as editoras discográficas suecas passaram a dar destaque aos artistas suecos e a vê-los como uma boa fonte de exportação e de rendimento.
PP - O sucessor de “Spellbound” vai manter as fundações jazz ou é ainda pouco seguro afirmar isso?
JJJ - Quanto ao jazz, não o posso esquecer, vai ficar por aí a levitar. O engraçado foi que, quando estávamos a gravar o último tema de “Spellbound” – que foi “Dillema” –, tivemos toda esta percussão no estúdio e senti que era aquilo que deveríamos desenvolver no próximo disco, que, provavelmente, vai ter muita percussão, muita energia na bateria, acabando por soar bastante diferente de “Spellbound”. Será certamente similar no espírito das canções e nas melodias, mas nos arranjos e na produção veremos mais energia.
PP - O que podemos esperar do espectáculo em Sintra?
JJJ - Vamos dar um espectáculo elegante, muito dramatúrgico e ao mesmo tempo íntimo e poderoso. Fiz um filme de uma hora que pensámos inicialmente estrear na Suécia, em novembro, mas como terminámos a produção mais cedo, estamos a pensar levá-lo a Portugal e fazer aí a estreia. Depende de como o projector e o ecrã estiverem quando chegarmos, mas parece que a estreia mundial vai mesmo acontecer por aí. Será uma espécie de vídeo do concerto e, ao mesmo tempo, seremos nós em palco a tocar a banda sonora do filme. Estou muito curioso e entusiasmado em fazê-lo.
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