
Com o nascer da lua cheia, a teatralidade característica do maestro Gustavo Dudamel foi projetada de frente para uma plateia fascinada, enquanto a sua batuta conduzia a orquestra na lendária "Cavalgada das Valquírias", da ópera de Richard Wagner.
Talvez tenha sido um espetáculo improvável no Coachella, mas que atraiu uma multidão enorme e entusiasmada — e foi digno de um maestro que se tornou uma verdadeira celebridade.
"WERK!" gritou um jovem membro da plateia para Dudamel, enquanto ele e a Orquestra Filarmónica de Los Angeles iniciavam o que foi considerado como uma das apresentações mais memoráveis do festival.
Sob a direção de Dudamel nos últimos 17 anos, a Filarmónica de Los Angeles cultivou um ar 'cool', fomentando uma relação com o pop e as celebridades, especialmente durante a temporada de verão na Hollywood Bowlevard.
Portanto, era natural que o músico de 44 anos levasse o seu espetáculo ao Coachella, na Califórnia, um dos festivais de música mais importantes do mundo, que nos últimos anos ganhou reputação por surpresas vibrantes e alinhamentos ecléticos.
A orquestra destacou-se, apresentando um repertório hipnotizante que incluiu clássicos como a Quinta Sinfonia de Beethoven, temas de filmes como a "Marcha Imperial", de John Williams, de "Star Wars", e uma seleção de convidados de diversos géneros, incluindo a estrela country Maren Morris, a cantora de jazz-pop islandesa Laufey, os norte-americanos Becky G e Dave Grohl, a britânica Cynthia Erivo e o DJ alemão Zedd.

O "grand finale" viu a batuta de Dudamel evocar versos de LL Cool J, um "pas de deux" que misturava géneros e que espelhava uma batalha de rap.
"Este lugar representa uma cultura", disse Dudamel sobre o festival numa entrevista nos bastidores com a agência France-Presse, antes da primeira apresentação dele e da filarmónica, que repetiram no sábado, durante o último fim de semana do Coachella.
"Esta é a missão da arte, esta identidade", explicou. "A identidade de uma nova geração, sedenta por beleza."
"Catarse"

Ao longo dos anos, alguns observadores maravilharams-e — ou criticaram — os laços de Dudamel com Hollywood e os seus esforços para unir o mundo clássico à música da "Hot 100".
Mas para o maestro — cujo talento foi moldado pelo ilustre programa de educação musical "El Sistema" da Venezuela — trabalhar com diferentes géneros é "a coisa mais natural", disse.
Na juventude, "o meu pai tinha uma banda de salsa, e cresci a ouvir isso e indo à orquestra, e sempre foi muito natural simplesmente gostar de música — fosse ela qual fosse, um bolero, uma banda de rock", lembrou.
"Existem diferentes estilos de música, mas a música é uma só", destacou.

Johanna Rees, vice-presidente das apresentações da Filarmónica de Los Angeles, uma das orquestras mais prestigiadas dos EUA, afirma que as colaborações entre géneros musicais visam, em parte, atrair novos membros do público.
"Pode ser considerado um ponto de entrada", disse, "expondo a orquestra a este público mais jovem e novo, para que possa voltar, conferir mais coisas e descobrir concertos orquestrais por conta própria."
Muitos membros do público no Coachella, ela previu, estavam "a ver uma orquestra pela primeira vez".
"É incrível, no sentido mais literal da palavra, ver como todos podem unir-se e fazer esta música completamente sem o género."
Alguns no mundo da música clássica opuseram-se a esta ideia, considerando-a uma diluição ou banalização da forma de arte.
Mas tais críticas ignoram as possibilidades de expansão inerentes ao processo de colaboração, disse Rees: "Não estamos a criar um papel de parede orquestral atrás de uma banda."
"É ouvir a música de uma maneira diferente. Não é simplificá-la", acrescentou. "É apenas torná-la uma versão diferente de si mesma."
O horário nobre ao pôr do sol no Coachella serve como um marco para o último ano de Dudamel na sua carreira de quase duas décadas em Los Angeles — o produto de "anos de sonhos, quebrar barreiras e ligação maior não apenas com estilos musicais, mas também com identidades diferentes", disse.
É um ethos que o maestro pretende trazer para a eminente Filarmónica de Nova Iorque quando assumir oficialmente o cargo de próximo diretor da companhia na temporada 2026-27.
E é vital, disse, num momento de turbulência política.
"Precisamos destes espaços de catarse", disse, para "nos ligarmos ao poder de uma ferramenta da humanidade que é a música".
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