Aprofundar o autoconhecimento acima da glória: o ator espanhol Pedro Alonso, inesquecível ladrão psicopata em “La casa de Papel”, veio ao México em busca da sabedoria milenar dos povos indígenas.

A morte do pai, uma separação, um novo amor e esta personagem de “Berlim” que lhe deu notoriedade internacional: “É verdade que nos últimos 10 anos da minha vida tudo aconteceu”, resume o ator de 53 anos em entrevista à agência France-Presse.

“Tudo o que aconteceu comigo (...) teve uma linha de trabalho paralela muito presente na minha vida, os caminhos meditativos e mais especificamente o xamanismo”, diz Alonso, que voltou ao México para apresentar o seu documentário "La nave del encanto" [“O navio do encantamento", em tradução literal].

Com amigos, Alonso filma-se num 'road movie' que aborda o ritual do temazcal (banho de suor e purificação pré-hispânico) e as cerimónias de ayahuasca (planta alucinogénia usada em ritos religiosos de culturas nativas, mais precisamente no Peru).

Meditar para sobreviver

Pedro Alonso na cidade do México a 5 de novembro de 2024.

Esta viagem espiritual que passa por Oaxaca e Chiapas, no sul do México, constitui uma nova etapa no seu próprio caminho.

“Tive um início muito rápido na profissão de ator”, recorda ao evocar dois anos na companhia de teatro Fura dels Baus, e os seus primeiros filmes, que despertaram o interesse da produtora de Pedro Almodóvar.

E então veio uma crise que o fez sentir que, aos 30 anos, o comboio partira sem ele.

“Com o tempo, entendi que estava com uma depressão severa e comecei a meditar por pura sobrevivência, a pintar”, explica.

Aos 23 anos, já havia iniciado a sua vida espiritual com um jejum de quatro dias nas montanhas da Catalunha.

“Comecei a ler Carlos Castaneda como um maluco”, diz, referindo-se ao autor da 'geração beat' dos anos 1970.

A descoberta da sabedoria ancestral veio com suas primeiras viagens ao México. A ideia do documentário, que será lançado a 7 de janeiro na Netflix, surgiu durante a pandemia: “Encontrei o que tinha escrito quando fui à procura de peiote [um pequeno cacto] no deserto”.

Antecipa possíveis críticas: “Ah, este ator que tem uma certa celebridade agora quer ser o novo guru da modernidade... essa não é minha intenção.”

“Falo a partir da minha dúvida, da minha busca, da minha tentativa, da minha sombra a tentar traçar um caminho de conhecimento”, explica.

“Não creio que seja um caminho para todos”, diz sobre as plantas e os cogumelos alucinogénios antigos e frequentemente proibidos.

O peiote, por exemplo, é considerado pela DEA, agência antidrogas dos EUA, como “uma droga cujo uso não foi aceite em tratamentos médicos”.

Reconectar

"Berlím"

“Os americanos, através de [Richard] Nixon, disseram: 'Todas as drogas são o diabo'”, observa com um suspiro Alonso, que reivindica o direito ao debate e à dúvida.

“Não tenho uma posição clara sobre se tudo deve ser legalizado de uma vez”, explica.

"Testemunhei no Ocidente qual é a relação entre os jovens e as drogas. E é uma loucura. Não tem nada a ver com um homem a soprar uma folha", diz, referindo-se aos xamãs.

“Não recomendaria que todos tomassem ayahuasca. Mas recomendaria que meditassem (...), para se reconectarem consigo mesmos (...), com os ciclos da terra”, ressalta.

Aceitando os seus paradoxos, Alonso afirma amar o caos do México e reconhece o progresso da medicina ocidental, ao mesmo tempo que questiona o destino atual do Ocidente.

“Vivemos num mundo muito tóxico. E isso é visto nas estatísticas. Nunca houve tanta depressão”, diz.

“Chega-se a uma comunidade indígena e o avô está no centro”, contrasta.

“Quero viajar para conhecer pessoas fascinantes, cultas, sensíveis, amorosas, preparadas, que me façam sentir que existe outro comprimento de onda nas relações humanas”, afirma.

Enquanto isso, Alonso retoma a rodagem em janeiro para uma nova temporada de “Berlín”, spin-off de “La Casa de Papel”.

Só “amor e um milhão de dólares” tornam o dia de Berlim feliz, segundo a sinopse da série.

Mas para este ator de uma localidade da Galiza, a definição de riqueza é outra: “Que um ovo frito tenha o sabor dos ovos fritos da minha terra”.