
O realizador e produtor argelino Mohamed Lakhdar-Hamina, o único cineasta árabe e africano a receber um prémio em Cannes, morreu na sexta-feira "aos 95 anos", anunciou a sua família.
"Faleceu na sua casa em Argel aos 95 anos, deixando um legado cinematográfico inestimável", escreveram os seus filhos em comunicado, elogiando "a sua visão única que marcou a história do cinema".
Mohamed Lakhdar-Hamina estabeleceu uma "verdadeira ponte cultural entre o Sul e o Ocidente, tornando-se a voz do mundo em desenvolvimento e do seu país durante quase 40 anos", acrescentou a família.
Era um dos poucos realizadores africanos e árabes a ter competido quatro vezes no Festival de Cinema de Cannes, conquistando dois grandes prémios: o de Melhor Primeiro Filme pelo épico "Le Vent des Aurès", agora um clássico do cinema argelino, e a prestigiada Palma de Ouro por "Crónica dos Anos de Brasa", em 1975.
Era o mais idoso vencedor da Palma de Ouro vivo.

Numa mensagem de condolências, o presidente argelino Albdelmajid Tebboune expressou a sua "profunda tristeza e dor" após a morte deste "gigante do cinema mundial".
Mohamed Lakhdar-Hamina fora homenageado durante a 78.ª edição do Festival de Cinema de Cannes, que terminou no sábado, com a exibição da versão 4K da "Crónica dos Anos de Brasa" como parte da programação "Cannes Classic".
O filme impulsionou definitivamente este realizador autodidata como um cineasta de classe mundial.
De acordo com o presidente da Argélia, este filme do "grande realizador" ajudou a abrir "os olhos do mundo para parte do sofrimento do povo argelino durante o período colonial".
Era "um dos últimos grandes mestres do cinema épico e lírico, deixando uma marca indelével no Festival Internacional de Cinema de Cannes e no cinema em geral", acrescentou a sua família no comunicado.
"Heroísmo"
A luta pela independência da Argélia estava no centro do grandioso fresco histórico, que narrava em seis segmentos, de 1939 a 1954, o nascimento de uma nação, juntamente com a jornada do povo argelino rumo à revolta contra a colonização francesa e à Guerra da Independência (1954-1962).
"Antes de se tornar um realizador criativo global que deixou uma marca indelével na história do cinema mundial, foi um digno mujahid [combatente], que contribuiu para a libertação do seu país através de imagens e cenas que consciencializaram a Humanidade para o heroísmo da gloriosa revolução de libertação", enfatizou Albdelmajid Tebboune.
Nascido oficialmente, de acordo com o seu estado civil, a 26 de fevereiro de 1934, em M'sila, na região de Aurès (nordeste), Mohamed Lakhdar-Hamina era filho de humildes agricultores das terras altas. Após concluir a escola agrícola, estudou em Antibes, na França, onde conheceu a futura esposa e mãe dos seus quatro filhos.
Durante a Guerra da Argélia, o seu pai foi sequestrado, torturado e morto pelo exército francês. Ele próprio foi convocado em 1958 e juntou-se à resistência argelina em Túnis.
Aprendeu cinema como autodidata, começando por um estágio na agência de notícias da Tunísia, antes de embarcar nas suas primeiras curtas-metragens.
Iniciou a sua carreira de realizador em 1964 com o documentário "Mais un jour de novembre".
Ao longo de 50 anos de carreira (1964-2014), dirigiu um documentário e sete filmes: "Le Vent des Aurès" (1966), "Hassan Terro" (1968), "Décembre" (1973), "Crónica dos Anos de Brasa" (1975), "Vent de sable" (1982), "La dernière image" (1986) e "Crépuscule des ombres" (2014).
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