Donald Trump quer salvar uma Hollywood que, segundo ele, "está a morrer muito depressa" ao impor tarifas de 100% aos filmes produzidos fora dos EUA. Uma má ideia, de acordo com a maioria dos representantes da indústria cinematográfica americana presentes no Festival de Cannes.

"Não vejo nenhum benefício no que ele tenta fazer. Na verdade, poderia prejudicar-nos", disse à France-Presse Scott Jones, presidente da Artist View Entertainment.

"Muitas pessoas ficaram desempregadas e isto não vai melhorar as coisas", afirmou o produtor, que apresenta um filme sobre a guerra civil americana, "The Legend of Van Dorn", em Cannes.

Os grandes estúdios e vários sindicatos de Hollywood, bem como os "embaixadores especiais" de Trump para o cinema, os atores Jon Voight e Sylvester Stallone, publicaram na terça-feira uma carta agradecendo ao presidente pelo seu "apoio", mas pedindo mais incentivos fiscais para rodar filmes e séries no país.

"Mais de 80 países oferecem incentivos fiscais para a produção e, como consequência, várias produções que poderiam ser rodadas nos EUA passaram para outros lugares", afirma a carta.

Um bom exemplo desse fenómeno é "Missão: Impossível - O Ajuste de Contas Final", com Tom Cruise, a maior produção de Hollywood exibida no Festival de Cannes deste ano, filmada principalmente no Reino Unido e na África do Sul.

"Pesadelo burocrático"

"Os filmes hollywoodianos estão a ser feitos em todo o mundo", confirma Louise Lantagne, diretora da Quebecreatif, que apoia a indústria cinematográfica do Canadá.

Segundo ela, as produções americanas estão a migrar para este país vizinho há décadas "porque somos mais baratos e temos créditos fiscais, excelentes instalações e técnicos realmente talentosos".

"É claro que será um inferno se (as tarifas) forem implementadas", diz, embora seja "apenas seja neste momento uma mensagem nas redes sociais, mas todos estão muito nervosos com estas declarações", acrescenta.

Muitos, como Monique White, que trabalha como comercial na distribuidora California Pictures, acham que a medida é "inaplicável" e que Trump abandonará os seus planos.

"Legalmente e tecnicamente, é impossível (implementar) sem mudar a lei, o que não parece provável", afirma.

Para outros, o mal já está feito. Esta simples ameaça é "catastrófica em termos de confiança", diz um produtor experiente, que votou duas vezes no presidente republicano, que preferiu não ser identificado.

"Os investidores, especialmente os estrangeiros, não querem queimar as suas asas no longo prazo, (Trump) está a matar-nos", disse à AFP.

Mesmo que o multimilionário consiga implementar a medida, Lantagne avalia que decidir se um filme é americano ou não seria "um pesadelo burocrático", já que o financiamento e as habilidades técnicas estão a ser internacionalizados.

Sylvain Bellemare, que ganhou o Óscar de Melhor Montagem de Som por "O Primeiro Encontro" (2016), de Denis Villeneuve, cita dois exemplos recentes.

"Splitsville", com Dakota Johnson, filme exibido em Cannes este ano, foi "totalmente filmado em Quebeque", no Canadá, mas com financiamento americano.

E lançado em março nos cinemas, "Novocaine", distribuído pela Paramount, foi rodado na África do Sul e pós-produzido em Quebeque, com a história a ter lugar na cidade americana de San Diego.

Os produtores americanos "já não têm dinheiro para filmar nos EUA como faziam na Califórnia. É muito caro", explica Bellemare.