A caminho dos
Óscares 2025
"Se ganharmos, vamos comemorar igual a uma Copa do Mundo", promete Isabela Caetano, uma estudante de 19 anos de São Paulo que, como milhões de brasileiros, vive as nomeações aos Óscares de "Ainda Estou Aqui" como uma questão de orgulho nacional.
Nas ruas e nas redes sociais, cidadãos, artistas e políticos - incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - aderiram à onda de euforia com o filme do cineasta Walter Salles, que aborda o desaparecimento do ex-deputado progressista Rubens Paiva em 1971.
Nomeado ao Óscar de Melhor Filme e Melhor Filme Internacional, "Ainda Estou Aqui" confronta o Brasil com o fantasma da sua ditadura militar (1964-1985), um tema que passou décadas nas margens do debate público.
Quase quatro milhões de brasileiros já assistiram ao filme nos cinemas, enquanto o país descobre revelações sobre o recente envolvimento de militares numa alegada trama golpista.
O sucecsso prolongou-se a outros países, incluindo Portugal, onde só precisou de 14 dias para ser o filme brasileiro mais visto nos cinemas desde 2004, com 122.734 espectadores desde a estreia a 16 de janeiro, segundo dados do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA).
Protagonizada por Fernanda Torres, vencedora do Globo de Ouro e nomeada ao Óscar de Melhor Atriz, a longa-metragem narra a luta de Eunice Facciolla Paiva, esposa de Rubens, para esclarecer o sequestro do marido pelas forças armadas.
O corpo do ex-deputado jamais foi encontrado e o crime continua impune. Em 2012, a Comissão Nacional da Verdade concluiu que o Estado foi responsável pela sua morte.
Do ecrã para as ruas
O sucesso de "Ainda Estou Aqui" inspirou uma ideia inusitada em São Paulo. O túmulo de Eunice Paiva, falecida em 2018, foi incluído como atração numa visita guiada ao Cemitério do Araçá, um dos maiores da cidade, organizada pelo projeto "O que te assombra?".
"Vim homenagear a Eunice porque é importante lembrar o que a sua luta nos diz sobre o nosso país de hoje", diz à France-Presse (AFP) Mirella Rabello, médica de 28 anos, que deixou flores no túmulo.
No Rio de Janeiro, a casa onde foi rodado o filme - baseado no livro de mesmo nome de um dos filhos dos Paiva, Marcelo Rubens Paiva - atrai turistas de todo o país mobilizados pela história.
"Sou de Brasília e fiz questão de visitar esta casa e registar para a minha família, os meus netos, o quão importante pode ser um filme para preservar a memória de um país", afirma Silvana Andrade, professora de 55 anos, à frente da residência, localizada no bairro da Urca.
"Percebemos que também é um filme para entender o presente", declarou Walter Salles, cuja longa-metragem "Central do Brasil" (1998) também foi nomeada ao Óscar, numa recente entrevista à AFP.
Em novembro, a Polícia Federal acusou o ex-presidente Jair Bolsonaro, capitão reformado do Exército e nostálgico da ditadura, de um alegada plano para impedir a posse de Lula em 2022.
Bolsonaro e comandantes das forças armadas foram indiciados por conspiração contra a democracia. O ex-presidente declara-se inocente e afirma ser um "perseguido".
Após a estreia de "Ainda Estou Aqui" em novembro, contas associadas à extrema direita convocaram nas redes sociais um "boicote" ao filme.
Um país 'mais sensibilizado'
O Brasil nunca julgou os crimes cometidos durante a ditadura, que, segundo dados oficiais, deixou 202 mortos, 232 desaparecidos e milhares de vítimas de torturas e detenções ilegais.
Uma lei de amnistia aprovada em 1979 pelo regime militar impediu a punição dos culpados.
No entanto, em dezembro, o juiz Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), interpretou pela primeira vez que a amnistia não pode incluir a ocultação de cadáveres.
Na sua decisão, que ainda precisa ser analisada pelo plenário do STF, Dino citou "Ainda Estou Aqui", lançado um mês antes.
"Hoje, o Brasil está mais sensibilizado sobre a ditadura, graças a fatores que vão desde um filme até notícias sobre uma conspiração militar", afirma Eugénia Gonzaga, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
Segundo Gonzaga, o número de vítimas do regime militar pode ser muito maior do que o oficial, se forem considerados grupos não vinculados a partidos, como indígenas atingidos pela repressão.
Para os mortos oficialmente contabilizados, a Justiça determinou em dezembro que os seus atestados de óbito sejam corrigidos para explicitar que morreram pelas mãos do Estado. Também serão emitidas declarações para os desaparecidos.
Reconhecido como morto em 1996, Rubens Paiva é uma das vítimas cujo atestado de óbito agora indica morte "não natural; violenta; causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964".
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