A série sul-coreana de Hwang Dong-hyuk teve a estreia de maior sucesso da gigante do streaming em setembro, atraindo pelo menos 111 milhões de telespectadores. A sua visão distópica mostra centenas de pessoas marginalizadas que enfrentam jogos infantis tradicionais, todos os quais Hwang brincava quando criança em Seul.
O vencedor pode ganhar milhões, mas quem perder... morre.
As obras de Hwang apresentam visões críticas dos problemas sociais, poder e sofrimento humano, e o criador baseou vários personagens, imperfeitos mas próximos, em si mesmo.
Como Sang-woo, um banqueiro na série, Hwang estudou na elitista Universidade Nacional de Seul, e precisou de lutar financeiramente apesar do seu diploma.
Como Gi-hun, um trabalhador demitido e jogador compulsivo, Hwang foi criado por uma mãe viúva e a sua família pobre morava num apartamento subterrâneo semelhante ao apresentado no filme premiado de seu compatriota Bong Joon-ho, "Parasitas".
E uma das suas primeiras experiências no exterior inspirou o criador a criar Ali, um trabalhador paquistanês abusado e explorado pelo patão sul-coreano.
"A Coreia do Sul tem uma sociedade muito competitiva. Tive a sorte de sobreviver à competição e entrar numa boa universidade", contou Hwang Dong-hyuk à AFP.
"Mas quando visitei o Reino Unido aos 24 anos, um funcionário branco da imigração no aeroporto me olhou com desprezo e fez comentários depreciativos. Acho isso chocante até hoje", disse. "Acho que naquele dia fui como Ali".
A Queda social
Hwang Dong-hyuk estudou jornalismo e tornou-se ativista pró-democracia, e baptizou o personagem principal da série de Gi-hun em homenagem a um amigo daquela época.
Mas o país tornou-se democrático na época em que se formou. "Não consegui encontrar uma resposta para o que fazer no mundo real", frisou. No início, "ver filmes era algo que fazia para passar o tempo", conta.
Mas, então, com uma câmara da sua mãe, o sul-coreano descobriu "a alegria de filmar algo para mostrar às pessoas". "Mudou a minha vida", frisa.
A sua primeiro longa-metragem, "My Father", de 2007, é baseada na história real de Aaron Bates, um coreano adoptivo cuja busca pelo seu pai biológico o levou a um prisioneiro condenado à morte.
Em 2011, o seu drama policial "Silenced", baseado num caso real de abuso sexual que envolveu crianças com deficiência, foi um sucesso comercial, assim como sua comédia de 2014 "Miss Granny", inspirada em parte na sua mãe.
Três anos depois, o seu drama histórico "The Fortress" tratou de um rei coreano do século XVII que enfrentou uma invasão chinesa brutal.
"Squid Game" faz referência a várias experiências traumáticas que moldaram a mentalidade dos sul-coreanos atuais, incluindo a crise financeira asiática de 1997 e as demissões de 2009 na SsangYong Motors, que levaram a vários suicídios.
"Com referência às demissões da SsangYong Motor, queria mostrar que qualquer pessoa da classe média no mundo em que vivemos pode cair até o fundo da escala social", comentou Hwang à AFP.
Jason Bechervaise, professor da Korea Soongsil Cyber University, considera Hwang como "um cineasta estabelecido há mais de 10 anos" que "encontra maneiras de entreter o público".
"Hwang faz parte de um sistema capitalista e o sucesso de sua série significa que ele beneficia desse sistema, mas isso não significa que ele não deva lutar com sua a própria natureza", comentou à AFP.
Areum Jeong, investigadora de cinema coreano na Sichuan University-Pittsburgh, disse que o realizador costuma despertar debate social, mesmo antes da série da Netflix.
"Silenced" abordou "a injustiça, corrupção moral, questões não resolvidas no sistema judicial coreano e, eventualmente, motivou os telespectadores a exigirem reformas legislativas", afirmou à AFP.
Hwang escreveu "Squid Game" há uma década, mas os produtores não estavam interessados, considerando o guião "muito absurdo, estranho e irreal".
Mas a ascensão dos serviços de streaming tornou alguns materiais mais viáveis, e o realizador aceitou o projeto com a perspectiva de trabalhar com a Netflix.
No entanto, nunca imaginou que "se tornaria a sensação mundial que é agora".
"Acho que os espectadores de todo o mundo se relacionam profundamente com a questão da desigualdade social" retratada na série, "especialmente em tempos de pandemia", aponta.
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