Depois de abordar o Estado Novo ao longo de 2018, o Teatrão socorre-se agora de Shakespeare e daquele rei inglês do século XV para falar das estruturas de poder atuais, fazendo referências à austeridade e aos movimentos nacionalistas que vão surgindo no mundo.
Para esta peça, a companhia de Coimbra optou por retirar o protagonismo a Ricardo III e entregá-lo a quatro investigadoras/rainhas que tentam perceber e desvendar a ascensão ao poder do rei.
Leem-se depoimentos, fazem-se reconstituições, apresentam-se provas, lançam-se dúvidas - "Alguém acredita nisto?" - e questionam-se as próprias palavras de Shakespeare - "Alguma vez uma mulher foi seduzida assim?" -, com o público a participar nessa assembleia que procura dar luz ao caminho de Ricardo III até ao trono.
"É um trabalho onde não se discute a mitologia do Ricardo III como o grande perverso da história, mas que tenta entender como é que o poder funciona, como ele se articula enquanto sistema. Interessava-nos, mais do que discutir a maldade ou a perversidade do poder, falar de como é que atinge o poder", disse à agência Lusa o encenador brasileiro Marco Antonio Rodrigues.
Pegando na atualidade, o encenador aponta para o caso do Brasil, onde o atual presidente, Jair Bolsonaro, que até ascende ao poder com "muito menos habilidade" que Ricardo III - "nunca nega o que é" -, é também ele resultado de uma estrutura e de um contexto.
Em palco, face à história "muito violenta e crua" de Ricardo III, a música e a cenografia associam-se a uma estética punk, com uma banda a tocar ao vivo, sob direção de Victor Torpedo (Tédio Boys e The Parkinsons).
"A peça tem uma musicalidade muito forte. A música é uma personagem estruturante da encenação", sem que com isso o espetáculo tenha qualquer pretensão de ser um musical, explica o encenador.
No espetáculo, trabalha-se também a questão da manipulação das narrativas, pegando numa história também ela rica em incertezas e dúvidas, nota a diretora do Teatrão, Isabel Craveiro, nomeadamente por nunca terem sido encontrados os corpos dos dois príncipes que Ricardo III terá matado.
"O espetáculo trabalha muito com essa fragilidade de sermos manipulados, de acreditarmos no que é verdade ou não", salienta a diretora.
Numa peça em que o público é também ele testemunha e participante ativo, é-lhe ainda dada a oportunidade de catarse, de refazer, de eliminar, de apontar para um bode expiatório, "de poder dirigir o seu olhar, a sua bala contra alguma coisa", acrescenta Marco Antonio Rodrigues.
"Em Shakespeare, a guerra tinha acabado e no presente queremos muito acreditar que a crise acabou. Sabemos, como Ricardo sabia, que a paz é podre e que para dominar precisamos de uma liderança forte. Entre a festa da retoma económica e da imobilidade do Estado para qualquer reforma, o terreno é fértil para se suspirar por novos Messias, Sebastiães ou Salazares", alerta a sinopse da peça.
A peça conta com dramaturgia de Jorge Louraço Figueira e Marco António Rodrigues e interpretação de Cláudia Carvalho, Isabel Craveiro, Margarida Sousa e Mónica Cadete.
A tocar em palco está Victor Torpedo, que compôs temas originais para o espetáculo, acompanhado de Rafael Silva (The Lazy Faithful, Fugly) e de Ricardo Brito (The Parkinsons, Wakadelics).
"Richard's" estreia-se na quinta-feira e está em cena até dia 18, na Oficina Municipal do Teatro, com as apresentações a decorrerem de quarta-feira a sábado às 21:30 e, aos domingos, às 19:00.
A entrada tem um custo de quatro a dez euros.
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