A exposição, que abre ao público na quarta-feira e vai estar patente até 14 de janeiro de 2019, é inspirada na infância, nos contos e na crítica social, tendo cerca de 70 obras de Paula Rego, desde grandes formatos em acrílico e pastel, a gravuras e bonecos que ela moldou no seu ateliê, em Londres.
“(A exposição) trata dos meus bonecos todos que eu fiz. É simplesmente isso. Mulheres, homens, bichos, muitos bichos, o porco, muita coisa”, descreveu à Lusa a artista de 83 anos, acompanhada pelo filho, Nick Willing, e pela amiga e assistente Lila Nunes.
Paula Rego contou que a exposição é um universo de histórias, aquelas que a embalaram e aquelas que a assustaram em criança.
“Vem da minha tia Ludgera que me contava histórias todos os dias. Era sempre a mesma história, mas ia continuando muitos dias, muitos dias. Era da dona Francisca que me contava as histórias quando eu era pequenina até eu adormecer”, recordou, precisando que o pai lhe lia o “Inferno” de Dante, com ilustrações de Gustave Doré, algo que lhe metia “muito medo”.
Porém, “o que a mãe não disse é que as histórias vêm de histórias portuguesas, de contos do Eça de Queiroz, da literatura portuguesa, mas também inglesa”, sublinhou o filho Nick Willing, acentuando também o lado autobiográfico das obras.
“O que a mãe faz que é diferente é que põe lá dentro também as experiências pessoais. E é isso que faz a diferença. Estes quadros não são só das histórias, isto são quadros mais das histórias dela própria, da vida dela, da experiência de mulher que viveu num tempo muito difícil, durante Salazar, mas também as experiências de uma mulher casada com um homem e de uma mãe, coisas que são intimas”, afirmou.
Paula Rego ficou muito satisfeita com a forma como a exposição foi montada, disse que “é importante” estar em Paris e o filho reiterou que “é muito importante estar em Paris porque França sempre foi um país muito difícil de entrar”, mas “agora, finalmente, com esta exposição vai mudar muito”.
Também a diretora do Museu de L'Orangerie e comissária da mostra, Cécile Debray, disse aos jornalistas que “esta exposição é uma aposta porque Paula Rego é muito pouco conhecida em França”.
“Para mim, Paula Rego é uma artista imensa que não tem o reconhecimento que ela merece em França. É muito conhecida em Portugal, um pouco em Londres, mas não o suficiente. Para mim, ela merece a notoriedade de uma Louise Bourgeois e penso que isso vai acabar por acontecer”, explicou a diretora do museu que escolheu expor, também, obras de Louise Bourgeois, Goya, Edgar Degas, Odilon Redon, Édouard Manet, David Hockney e Ron Mueck com Paula Rego.
Cécile Debray organizou a exposição a partir dos temas da infância, dos contos, da literatura infantil e “ao mesmo tempo de uma crítica social e política mais em surdina” na sua obra.
A série "Girls and Dogs", com os quadros “Snare” (1987), “Prey” (1986) e “The Little Murderess” (1987) abre a mostra e é exposta perto dos bonecos de esponja e de pasta de papel do ateliê de Paula Rego, com destaque para o porco e o homem-almofada que surgem, na última sala, nas obras “The Pillowman Triptych” (2004) e “Scarecrow and the Pig” (2006), histórias violentas ligadas à infância e inspiradas em Portugal.
Há obras da série "Nursery Rhymes", a mais popular da sua coleção de gravuras inspirada na sua paixão pela literatura infantil, colocadas ao lado de gravuras de Francisco de Goya, de David Hockney e de Jean-Jacques Grandville, enquanto o “Pinóquio” do escultor Ron Mueck, criado no ateliê de Paula Rego, está virado para os pastéis em que surge pintado, “Geppetto Washing Pinocchio” (1996) e “Blue Fairy Whispers to Pinocchio” (1996).
Na secção “Animais e animalidade”, as mulheres da série “Dog Women” (1994), que imitam poses de cães, estão em frente a três bailarinas de Edgar Degas, as quais também ladeiam as “mulheres-avestruzes” de “Dancing Ostriches from Disney’s Fantasia” (1995).
“Se olhar para estas mulheres-cão, os primeiros pastéis de Paula Rego, em frente às ‘Danseuses’ de Degas, o que é extraordinário é que ela não é atropelada por Degas nem Degas é atropelado por ela. Tudo respira de forma muito equilibrada. Mas a maior parte das obras dos outros artistas são gráficas porque esta é a exposição da Paula Rego”, acrescentou Cécile Debray.
Pode, ainda, ver-se as “mulheres e heroínas”, em poses majestosas e ameaçadoras, como “Angel (The Crime of Father Amaro series)” (1998), e as mulheres-artistas dominadoras com autorretratos de Paula Rego em “Painting him out” (2011) e “The Balzac Story” (2011).
"A obra de Paula Rego é muito figurativa, com referências literárias e muito autobiográficas. Sente-se que é uma obra em que ela resolve problemas vitais através da pintura. Ela é completamente surpreendente na forma como aborda a questão da representação na pintura”, concluiu a comissária.
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