Em entrevista à Lusa, Manel Cruz, vocalista do grupo portuense que marcou a década de 1990 em Portugal, explica que um primeiro regresso, em 2012, acabou por “desmitificar” esse momento, depois do “receio de estragar uma coisa super bonita e após um apelo muito grande”.
“Foi de facto uma celebração muito grande, uma coisa incrível, e foi surpreendentemente muito bom tocar coisas que achei que já não ia gostar de tocar”, recordou o artista, que, em 05 de abril, lança o primeiro trabalho a solo, “Vida Nova”, depois de projetos como Supernada, Pluto ou Foge, Foge Bandido.
Ao juntar-se, o grupo percebeu que a sonoridade ainda “varria uma feira”, uma forma de dizer que a “cumplicidade quase precedente” entre os músicos, na sala de ensaios como fora dela, leva à criação de um aspeto “muito particular”, mesmo que não seja mensurável e antes sobre o que as músicas “dizem às pessoas”.
Sem querer “estragar a especialidade do primeiro regresso”, a banda junta-se de novo para assinalar os 20 anos de “O Monstro Precisa de Amigos”, segundo e último álbum de uma carreira que arrancou com “Cão!”, dois anos antes.
“Ficámos um pouco renitentes [aquando do convite]. O dinheiro conta muito, porque esta vida é uma luta e um gajo anda sempre a trabalhar que se desunha para pagar as contas, e isso, não sendo em si uma razão suficiente, também conta”, confessa o vocalista.
Ainda assim, focar-se no segundo álbum “simplifica bastante”, uma vez que Cruz não gosta “tanto de algumas coisas do ‘Cão!’”, e o reencontro de todos “é muito fixe”.
“Não queríamos que soasse a um novo regresso, mas, se temos músicas que dizem muito às pessoas, aquilo dá-nos uma 'grande pica', o trabalho é nosso e vamos ganhar bom dinheiro...”, refletiu.
Refletindo sobre o papel da nostalgia na música, perante vários concertos nacionais e internacionais de revisitação de projetos entretanto parados, Manel Cruz disse viver “muito bem com o presente”, mesmo sendo “nostálgico e melancólico”, sem pretender “que as coisas sejam outra coisa ou atualizáveis”.
“Podes ver esta música como não sendo já nossa, é de todas as pessoas. Está-se ali a viver outra coisa. (...) Não precisava de fazer isto, estou cheio de projetos”, considerou.
Os concertos incidirão “no ‘Monstro’, de uma ponta à outra”, inserindo-se as possíveis mudanças “na interpretação das coisas”, porque o grupo é hoje composto por pessoas que “são diferentes, e isso não se domina”.
Depois de um “leilão” e de um conjunto de vários fatores de todas as partes, os Ornatos vão voltar para tocar em três festivais, o NOS Alive e o MEO Marés Vivas, em julho, e o Festival F, em Faro, em 06 de setembro.
Manel Cruz quis reencontrar o fulgor da composição e descobriu uma “Vida Nova”
A procura da sensação de “pica” de criar músicas guiou Manel Cruz até ao primeiro disco em nome próprio, “Vida Nova”, um “álbum de canções” que reflete temas como criatividade e simplicidade, disse, em entrevista à Lusa.
Apesar de estar “habituado à pressão”, de que também chegou a “fugir”, apesar de ir mostrando 'singles' ao longo dos últimos meses, as questões logísticas de “planeamento do lançamento e dos concertos” levaram a alguns adiamentos do novo álbum, num “ajuste” que teve sempre em mente “o disco ficar o melhor possível”.
Com data de lançamento marcada para 05 de abril, pela Turbina, “Vida Nova” surge, também, da “grande motivação para voltar a fazer alguma coisa” que lhe passou pelo “'manager' e amigo Pedro Nascimento”.
A isso juntou-se, na produção, Manuel dos Reis, que gravou o disco no Estúdio do Pátio, antes de os dois o misturarem no estúdio Sá da Bandeira, mas também Nico Tricot, que, com Eduardo Silva e António Serginho, tratou dos arranjos do disco.
Com um título “banal”, mas nem por isso menos intencional, o álbum está carregado “de um sentimento de que está tudo a começar”, afirmou.
“Há sempre uma ideia associada à idade e ao envelhecimento, de apodrecimento, mas no fundo também todos esperamos que os frutos estejam maduros para os comer. (...) Nesse sentido, foi muito importante conseguir sentir que ainda estou aqui. Que tenho coisas para dizer, coisas para dar, e vontade de brincar, acima de tudo. O título é também uma declaração de intenções, porque não tem mal sermos simples”, disse à Lusa.
Ao nível instrumental, o longa duração tem um grande uso do ‘ukulele’, antes de outros músicos, e outros instrumentos, pontuarem as várias canções, numa “autoproposta” que se prende com um interesse em “redescobrir a paixão e o encanto”, para permitir maior liberdade na descoberta.
Também a ordem das faixas, uma “feliz coincidência”, permite contar uma “narrativa que, de alguma maneira, ilustra todo o processo”.
“Foi quase como sorte, penso eu que foi sorte. A primeira música [‘Como um bom filho do vento’], por exemplo, foi a primeira que me aliciou no processo”, contou.
Por seu lado, as letras trazem desta vez “uma mensagem mais evidente e se calhar mais simplista”, com uma “aproximação à vida e ao processo” pessoal do músico, como em “Beija-flor”, uma faixa “que fala da inspiração e da naturalidade, ou não, desse processo, com o paralelo a um animal que vai à flor sem questionar nada”.
“Encaro este disco de forma mais clássica, de ser um disco de canções, sem o lado experimentalista na raiz, mas mais na forma como se fazem as coisas. Ser mais ou menos poético depende da maneira como vês as coisas. (...) Também eu estou agora a interpretar as razões pelas quais fiz como fiz. Estava tão dentro do processos que nem estava a pensar sobre isso”, comentou.
Apesar do título, a “Vida Nova” não é um renegar do que está para trás nem “a felicidade”, mas antes “o passado, presente e futuro tudo junto”, tendo “mais a ver com a paz do que propriamente sentimentos épicos de felicidade e ambição”, aproveitando antes “o tempo para a frente, que à partida será menos” do que já passou para o músico de 43 anos.
Se a “diversão” é muito “a realização artística” que pretende atingir, a nova vida é, então, “o ânimo de voltar à carga e enfrentar tudo isso, mais do que pensar no passado como mau e que agora é que vai ser”.
Várias das músicas do disco, como “Ainda não acabei” ou “Cães e Ossos”, passaram já pelos vários concertos que Manel Cruz foi dando, e essa presença “influencia, porque a vida é também um palco”.
“Tu és sempre ator de uma ideia de ti próprio, de um todo, quer sejas um ator convicto ou a fugir disso. O palco é um momento em que tens hipótese de representar de facto. (...) O palco é, depois, uma forma bruta e imediata de te colocar face à questão do poder, por exemplo. É um objeto muito delicado. As pessoas querem que estejas ali, são elas que querem, tu não questionas porque é que estás lá”, refletiu.
“Vida Nova” é, assim, um “disco mais convencional face ao panorama”, mais “clássico numa certa perspetiva, em que o experimentalismo e a vontade de procurar alguma coisa nova tem mais a ver com determinados pormenores e aspetos”, e por isso o disco “poder-se-á dizer normal”.
“Num momento em que há tanta coisa, do mais simples ao mais sofisticado e revolucionário, continua a haver espaço para um disco de canções, e agradou-me essa ideia de fazer isso, só”, disse à Lusa.
Enquadrado no plano é a reorganização da vida “para ter mais espaço de liberdade”, assumindo os concertos “como forma de subsistir”, mas “com prazer”, e poder ter mais tempo para criar mas também “beber finos ao fim da tarde, estar com os filhos e os amigos”.
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