Segundo a informação dada à Lusa por um amigo próximo, Fernando Fernandes, nascido em Espinho há 84 anos, morreu durante a noite de domingo e a madrugada de segunda-feira, no Porto, após luta prolongada com uma doença.
Fernandes fundou em 1958 a livraria Divulgação, com Carlos Porto e José Augusto Seabra, depois de trabalhar na Avis, precedendo em dez anos a abertura, com Carvalho Branco, da Livraria Leitura, que dirigiu até se aposentar, em 1999, e que marcou a vida literária do Porto.
O corpo de Fernando Fernandes esteve em câmara ardente até às 22:00 de segunda-feira, no Palacete dos Viscondes de Balsemão, antes de ser doado, na terça-feira, ao Instituto de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, numa cerimónia privada.
Júlio Gago, responsável do Teatro Experimental do Porto, amigo próximo do livreiro que conhece “desde miúdo”, lembrou à Lusa o “cidadão íntegro, cuja palavra não seria preciso ser escrita”, mas também a importante figura cultural na cidade e no país, homenageado com uma medalha de Ouro da Câmara do Porto e com a Ordem de Mérito, concedida pelo Presidente da República Jorge Sampaio.
O presidente da assembleia-geral do Teatro Experimental do Porto (TEP), de que Fernandes era sócio honorário por proposta de Gago, então na qualidade de presidente da direção, lembrou as apresentações de livros com escritores, em que sucedia “a fila descer toda a rua de Ceuta”, na esquina com a rua de Gonçalo Sampaio, onde esteve instalada a livraria.
“Entre 1968 e 1974, à semelhança da Divulgação, a Leitura transformou-se num verdadeiro pólo de cultura, até por essas mesmas ações paralelas. (...). E era, também, uma garantia de que tínhamos livros proibidos” pela censura da ditadura, acrescentou.
Gago reforça ainda a ideia de que o espaço se assumiu, no Porto, como “um dos grandes centros de difusão da cultura anti-regime”, na qual Fernandes tem “um papel determinante”.
O ator Mário Moutinho recordou à Lusa a pessoa “muito serena, um grande resistente e homem cultíssimo”, que admirava “profundamente” e que via como “um livreiro de referência a nível nacional”.
“Conheci-o muito bem antes do 25 de Abril [de 1974], e ia à livraria muitas vezes. Arranjava-me livros proibidos e censurados, conseguia vendê-los por baixo do balcão”, lembra, reforçando a perda “importante para todos”.
A Leitura, um dos “três grandes L, a par da Lello e da Latina”, no que toca a espaços portuenses dedicados aos livros, descreveu Júlio Gago, acabou por encerrar em janeiro deste ano, já depois de ter sido entregue a nova gerência.
Aquando do fecho da livraria, Manuel Alegre descreveu o fim da Leitura como “um atentado à cultura” e “um retrocesso cultural e civilizacional”, enquanto o escritor Mário Cláudio apontou Fernandes como “um dos últimos grandes livreiros do Porto”.
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