A peça, uma reflexão sobre “sobre a contínua e interminável representação do que é o quotidiano e a ideia universal de que a vida é uma sucessão permanente de palcos”, bem como a vida de um homem num “’show solitário’”, segundo a sinopse, é uma coprodução da companhia A Turma, do Teatro Municipal do Porto e da Casa das Artes de Famalicão.
O espetáculo começou como uma candidatura à primeira edição da Bolsa de Criação Isabel Alves Costa, promovida pelo Teatro Municipal do Porto, e chegou mesmo estar integrado no quadro de finalistas, mesmo sem bolsa atribuída.
Ainda assim, o diretor Tiago Guedes convidou Manuel Tur a concretizar o projeto, e desde então a peça tem sido desenvolvida pelo criador e pelo escritor portuense Rui Manuel Amaral, que se estreou na escrita para teatro com esta obra.
O texto, escrito por Amaral num processo em que as duas partes foram conversando, parte do “princípio de trabalhar sobre as solidões deste homem”, sendo depois desenvolvido para integrar, além do protagonista, também uma “série de vozes” com quem convive, explicou à Lusa Manuel Tur.
“Primeiro porque fala para preencher o vazio e o silêncio, para ocupar o tempo, mas também pelas coisas que ouvimos do outro lado da parede. Muitas vezes não conhecemos os vizinhos e vamos criando versões, e depois, confrontando-nos com eles, são coisas muito diferentes, ou não”, acrescentou.
Apesar do convívio com várias vozes, “não há qualquer tipo de esquizofrenia ou loucura”, mesmo que a peça deixe espaço a “uma série de leituras distintas aos olhos de cada um, de forma muito intencional”.
“Muitas pessoas verão este homem como louco, outras como um solitário, e outras ainda como alguém normalíssimo. Depois não sabemos se o espaço é o quarto, a cabeça dele, ou uma solidão metafórica. [O homem] acaba por falar, uma coisa que é muito rotineira”, refere o criador, que vive sozinho e destaca os hábitos de falar em voz alta de “muita gente” na mesma situação.
A história também leva a interpretações que podem ser “muito amplas”, com a descoberta de dados sobre o homem em palco a decorrer com uma encenação e cenografia “muito simples e limpinha”.
Mesmo que seja um monólogo que não é “narrativo de todo, até muito esparso de certa forma”, há uma série de histórias passadas ora pelo protagonista ora pelas vozes.
“As vozes preenchem histórias, lançam-nas para outros sítios, perturbam o homem, narram o que ele poderia fazer quando não age... A coisa é muito esparsa. Nunca quis neste monólogo que ele estivesse ali a contar a sua vida, por isso é que há este conjunto de vozes gravadas”, explicou Manuel Tur.
À presença de Manuel Tur em palco, um “regresso” após quatro anos sem trabalhar como ator, juntam-se as vozes gravadas de Mário Santos, Raquel Rosmaninho, Rodrigo Santos e Teresa Arcanjo, com cenografia de Ana Gormicho, figurinos de Anita Gonçalves e desenho de luz de Cárin Geada e de som de Joel Azevedo, numa equipa técnica que reúne colaboradores frequentes da companhia A Turma.
A Turma, fundada por Manuel Tur, comemora este ano dez anos de existência, e este espetáculo “começa uma nova fase” da companhia, depois dez anos “muito produtivos, mesmo que complicados e complexos”, registando-se também “a primeira vez” que receberam financiamento da Direção-Geral das Artes.
Para 2018/19, a companhia portuense terá quatro produções a partir de novas dramaturgias, juntando-se a “Livro de Horas” duas outras de Tiago Correia, outro dos fundadores, e ainda um monólogo escrito “especialmente para A Turma” pelo autor brasileiro Bernardo Carvalho.
“Livro de Horas – Uma peça para um ator e um conjunto de vozes gravadas” será apresentado na sexta-feira, pelas 21:30, e no sábado, pelas 19:00, no Rivoli, antes de ter uma apresentação única na Casa das Artes de Famalicão, no distrito de Braga, no dia 16 de junho, antes de uma possível “digressão mais concentrada”, no final de 2018 e início do próximo ano, além de haver "interesse" em publicar o texto de Rui Manuel Amaral.
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