O ciúme, a suspeição, a honra, a traição são alguns dos temas que perpassam esta peça escrita pelo dramaturgo norte-americano Arthur Miller (1915-2005), estreada em 1955, cuja ação decorre num bairro italo-americano nos portos de Brooklyn, Nova Iorque, e que os Artistas Unidos levam agora ao Teatro Municipal S. Luiz.
A peça é uma de duas dramaturgias com que os Artistas Unidos (AU) abriram a temporada 2018/2019 – a outra foi “O vento num violino”, de Claudio Tolcachir, estreada em setembro último, no Teatro da Politécnica, em Lisboa.
O encenador Jorge Silva Melo regressou aos textos de teatro de Arthur Miller há “dois anos, mais coisa menos coisa”, quando os Artistas Unidos editaram o livro n.º 100 da coleção “Livrinhos de teatro”, uma iniciativa desenvolvida parceria com os Livros Cotovia, explicou o encenador à agência Lusa.
“E eu disse para mim: tenho atores, tenho papéis, não posso deixar de fazer isto”, acrescentou Silva Melo, sublinhando tratar-se de uma produção que só é possível por estar a ser feita em parceria com os teatros Viriato, em Viseu, Nacional S. João, no Porto, onde a peça esteve em novembro, e o municipal S. Luiz.
Almada (9 a 11 de fevereiro de 2019), Setúbal (16 de fevereiro) e Viana do Castelo (16 de março) são as localidades onde a peça será representada este ano, depois da digressão por Guarda, Leiria, Cartaxo, Vila Real, Bragança, Ponte de Lima e Aveiro.
Baseada num incidente verídico, “Do alto da ponte" centra-se em Eddie Carbone, um estivador que vive com a sua mulher Beatrice e a sobrinha desta, a órfã Catherine.
O conflito surge na família com a chegada de Marco e Rodolpho, sobrinhos de Beatrice, vindos de Itália, que entram nos Estados Unidos clandestinamente, em busca de um futuro melhor.
Enquanto Marco se relaciona bem com Eddie, por ser do tipo machista, Rodolpho, que canta, dança e costura, incomoda o tio, especialmente quando se apaixona por Catherine.
Estão lançados os dados para uma sucessão de atos trágicos quando Eddie, de origem siciliana, se sente obrigado a defender o que entende ser a honra da família, e acaba por denunciar os sobrinhos às autoridades.
A ação da peça decorre num tempo em que o seu autor vivia uma fase mais desiludida com a política norte-americana, no auge da época que ficou célebre como a “caça às bruxas” do macartismo (1950-1956), patente na política anticomunista do senador Joseph McCarthy, em que se cultivavam as delações das chamadas atividades comunistas, junto do Comité das Atividades Antiamericanas, perseguindo cidadãos e arruinando os seus projetos de vida.
Nas palavras de Jorge Silva Melo, a peça mostra que o realismo de Arthur Miller é “muito mais trágico e 'raciniano'” do que o do seu contemporâneo Tennesse Williams (1911-1983).
“Do alto da ponte” é também, segundo o encenador e diretor dos Artistas Unidos, um texto extremamente atual, dado abordar conflitos de culturas.
“Quando nós vemos culturas e civilizações que entram na nossa Europa, e que não se adaptam quer às nossas leis, quer aos nossos costumes, sexuais, de honra ou de educação, nós interrogamo-nos por que motivo não conseguimos criar uma lei para todos os homens”, argumentou.
No fundo, o que está em questão, na obra, é “como resolver estes problemas”, ainda que não fiquem resolvidos.
“'Do alto da ponte' era para ser um argumento de filme para Elia kazan, mas, entretanto, este denunciou Miller, vindo-se a saber mais tarde que essa denúncia tinha origem passional, já que Elia Kazan fora namorado de Marilyn Monroe, mas foi com Miller que a atriz acabou por se casar, em 1956”, disse Jorge Silva Melo à Lusa.
Apenas um lavatório e uma cabine telefónica de rua marcam o cenário da peça encenada por Jorge Silva Melo. Os semblantes dos atores aparecem sempre muito carregados, “vestidos à época, onde tudo é muito despojado, mas muito realista”.
“Só os clássicos conseguem esta simplicidade do mito”, sublinhou Jorge Silva Melo, sobre a obra de Miller.
Interpretam a peça Américo Silva, Joana Bárcia, Vânia Rodrigues, António Simão, Bruno Vicente, André Loubet, Tiago Matias, Hugo Tourita, Gonçalo Carvalho, João Estima, Hélder Braz, Inês Pereira, Sara Inês Gigante, Romeu Vala e Miguel Galamba.
A cenografia e os figurinos são de Rita Lopes Alves, a luz, de Pedro Domingos, o som, de André Pires, e a tradução de Ana Raquel Fernandes e Rui Pina Coelho.
“Do alto da ponte” está em cena no S. Luiz até dia 27, com espetáculos de quarta-feira a sábado, às 21:00, e, aos domingos, às 17:30.
Comentários