Publicado originalmente em 2017, “Devoção” chega hoje a Portugal, numa tradução de Helder Moura Pereira e edição da Quetzal, chancela do grupo editorial Bertrand.

Este novo trabalho da cantora, poeta, fotógrafa, escritora, compositora e ícone do rock’n’roll dos anos 1970, com uma passagem pela música punk, desenvolve-se em três partes.

O livro de capa branca ilustrada com uma foto a preto e branco de Patti Smith, da autoria de David Gahr, começa com um ensaio “que esclarece a origem misteriosa” do “inquietante conto” que lhe sucede e que dá o título ao livro, segundo a editora.

Intitulado “Como funciona a mente”, este ensaio é o relato de uma viagem que Patti Smith fez a Paris, escrito durante essa mesma viagem, e no qual explora a natureza do processo criativo, como fica claro na primeira frase que aparece no livro: “A inspiração é um mistério recorrente e invisível, a musa que ataca quando menos se espera”.

Percorrendo as “ruas abstratas de Patrick Modiano” e lendo uma biografia de Simone Weil, entre cafés e refeições no Café de Flore e tardes no jardim da Gallimard, Patti Smith sentiu nascer a inspiração para o conto “Devoção”, que ganhou corpo nos “súbitos impulsos de escrita” que tinha no “comboio em andamento”, de Paris para Sète.

Durante essa viagem, Patti Smith deslocou-se de comboio até Londres, para visitar a sepultura de Simone Weil, no cemitério de Ashford, o que daria origem ao poema “Ashford”, que encerra o ensaio.

Chega então o conto “Devoção” - título inspirado pela palavra lida numa lápide antiga, junto ao túmulo de Paul Valéry, que também visitou –, a história de uma patinadora que vive para a sua arte, a do possessivo colecionador que implacavelmente busca o seu prémio, e a de uma relação forjada pela necessidade.

Na terceira parte do livro, que retoma as questões iniciais da autora – “Por que razão nos sentimos impelidos a escrever?” –, e depois de refletir sobre os locais e métodos que escritores como Virgina Woolf, Proust, Marguerite Duras ou Dylan Thomas usavam para trabalhar, Patti Smith regressa à viagem que fez a Paris.

Nesse capítulo, intitulado “Um sonho não é um sonho”, relata a visita que fez à casa da família do escritor Albert Camus, em Lourmarin, onde foi recebida pela filha do escritor, Catherine, que lhe ofereceu um chá cor de violeta e lhe pôs nas mãos o manuscrito da “obra-prima inacabada” do pai, “O Primeiro Homem”.

“Não podemos deixar de agradecer aos deuses por terem atribuído a Camus uma caneta tão eficaz e competente. Fui virando as folhas com todo o cuidado, maravilhando-me com a beleza de cada página”, descreve.

Patti Smith regressa, no final deste texto, à questão “por que escrevemos?” para responder: “Porque não nos podemos limitar a viver”.

A terminar este breve livro, de 144 páginas, Patti Smith abre ao leitor os seus cadernos de apontamentos e, numa secção intitulada “Escrito num comboio”, revela cópias dos seus escritos, bem como algumas fotografias dos locais que visitou.

Em Portugal tem publicados outros dois livros pela Quetzal: “Apenas Miúdos” (2011) e “M Train” (2016).

Patti Smith começou a ser reconhecida durante os anos 1970, pela fusão revolucionária de rock’n’roll e poesia do seu trabalho.

Nascida em 1946, tornou-se proeminente durante o movimento ‘punk-rock’ em Nova Iorque, com o seu álbum de estreia Horses (1975), que apresentava na capa a célebre fotografia da autora tirada por Robert Mapplethorpe, e que foi aclamado como um dos cem melhores álbuns de sempre.

Patti Smith gravou doze álbuns.

Os seus desenhos foram expostos no Gotham Book Mart, em 1973, e no Andy Warhol Museum, em 2002, tendo sido também alvo de uma mostra, juntamente com fotografias e instalações da sua autoria, na Fondation Cartier pour l’Art Contemporain, em Paris, em 2008.

A artista recebeu em 2005 a mais alta distinção da República Francesa no campo das artes, ‘Comman-deur des Arts et des Lettres’ e em 2007, passou a integrar o ‘Rock and Roll Hall of Fame’.

Patti Smith, que atualmente vive em Nova Iorque, casou-se com o já desaparecido Fred Sonic Smith, em Detroit, em 1980, de quem teve dois filhos, Jackson e Jesse.

A artista e a sua banda irão atuar na edição deste ano do festival Vodafone Paredes de Coura, que se realiza naquela localidade minhota de 14 e 17 de agosto, depois de ter atuado em 2015 no Primavera Sound, no Porto.

Ainda este ano, está previsto o regresso de Patti Smith a Portugal para a 13.ª edição do Lisbon&Sintra Film Festival (Leffest), que se realiza entre 15 e 24 de novembro, para a qual está prevista uma exposição fotográfica da artista, “‘Instantes’. Polaroides”, e a apresentação de uma curta-metragem que realizou, além da participação em sessões de leitura.