“Fruto de um momento de crise, nacional e internacional”, “As Farpas” foram publicações mensais escritas e assinadas por Ramalho Ortigão e Eça de Queirós, ao longo dos anos de 1871 e de 1872, e que têm sido sempre reeditadas em conjunto e sem identificação das respetivas autorias, explica a investigadora e socióloga Maria Filomena Mónica, que organiza a obra.

Durante os primeiros anos, a maioria dos artigos foi redigida por Eça, mas a sua colaboração terminou no número de setembro-outubro de 1872, quando o escritor partiu, como cônsul, para as Antilhas espanholas, pelo que, a partir daí e ao longo de 11 anos, passaram a ser assinados apenas por Ramalho Ortigão.

Com esta edição, Maria Filomena Mónica assume claramente o seu “interesse”: “o de publicar os textos originais de Eça de Queiroz, separando-os dos de Ramalho Ortigão”, embora, não sendo filóloga, considere que este seu trabalho não dispensa uma edição crítica.

“O país de 2018 não é igual ao de 1871, mas reconheço que existem traços que permitem aos meus compatriotas reverem-se no que Eça escreveu, o que é particularmente notório no caso dos políticos”, escreve a investigadora, considerando que, “se os portugueses ainda gostam de ler ‘As Farpas’, é por nelas encontrarem a raiva e o despeito que sentem, sempre sentiram, em relação à classe dirigente nacional”.

Admitindo que gostaria que a leitura destes “opúsculos” inspirasse os leitores “a ler a obra-prima, ‘Os Maias’, alvo de uma recente polémica sobre a sua inclusão nos programas do ensino secundário”, Maria Filomena Mónica acaba por afirmar que, por agora, deseja “apenas que se deleitem a ler, ou a reler, esta prosa magistral”.

A 17 de junho de 1871, apareceram nas bancas de Lisboa uns opúsculos de cerca de cem páginas, com capa alaranjada, decorados com o diabo Asmodeus, ostentando o título “As Farpas” e com o subtítulo “Crónica Mensal da Política, das Letras e dos Costumes”.

Na vertical, figurava o nome de Eça de Queiroz e, na horizontal, o de Ramalho Ortigão. O primeiro número esgotou-se rapidamente e a tiragem, de cerca de 2.000 exemplares, foi crescendo durante os primeiros tempos.

Em 1886, Ramalho Ortigão decidiu publicar em livro os seus textos, tendo em mente a publicação, à cabeça, dos seus onze volumes, seguidos depois dos de Eça de Queiroz, que não concordou com a ideia.

O escritor “não queria ver os seus textos colados aos de Ramalho”, com o mesmo título, como uma continuação daqueles. Nessa lógica, queria um livro seu, com um título diverso – “Uma campanha alegre” – e o tempo necessário para rever as provas.

Eça de Queiroz acabou conseguir os seus intuitos e a versão final do seu livro, acrescida de um prólogo, foi finalmente enviada ao editor em 07 de novembro de 1890, mas com bastantes alterações, "quer do ponto de vista estilístico, quer substantivo".

Nesta edição da Relógio d’Água, Maria Filomena Mónica procurou que fosse uma “reprodução, tão fiel quanto possível, dos textos de Eça de Queiroz para os quinze primeiros números da publicação, que, em várias passagens, diferem daqueles por ele selecionados quando publicou ‘Uma campanha alegre’”.

A socióloga explica ainda que optou por transcrever literalmente os textos originais que Eça de Queiroz escreveu para “As Farpas”, atualizando a respetiva ortografia e corrigindo as gralhas tipográficas mais evidentes.

Uma primeira recolha de Maria Filomena Mónica d'"As Farpas" de Eça, respeitando os originais do escritor, foi publicada em 2004, pela Principia. As duas primeiras edições, num total superior a 11 mil exemplares, esgotaram-se, na altura, em pouco mais de 15 dias. As edições seguintes da recolha (2004/2007) encontram-se há muito indisponíveis no mercado.