“Não posso esquecer Évora. Há muitos lugares no meu coração e vou juntar este também”, diz à agência Lusa a artista, de 82 anos, na língua da comunidade Ndebele, a que pertence, mas fazendo-se entender com a ajuda de um intérprete.
Esther Mahlangu está na cidade há algumas semanas, a convite do Festival Evora Africa, iniciado na sexta-feira e promovido pela Casa Cadaval, Palácio de Cadaval e Power Nation, levando a Évora, até 25 de agosto, a “festa da cultura africana”, com exposições, música, conferências e performances.
A pintura mural criada pela artista está no Palácio de Cadaval, a poucos metros do templo romano da cidade que é Património Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
“Ficaram inspirados pelo meu trabalho, foi por isso que me chamaram para vir cá. Também me sinto inspirada e adoro estar em Portugal”, conta, acrescentando que só pinta porque “faz parte da cultura” a que pertence e é o seu “dia-a-dia, nada mais”.
Pintada numa estrutura, a obra atrai de imediato os olhares e ocupa uma das paredes do pátio do palácio, zona aberta a visitas e onde também funciona um restaurante.
As cores, como o amarelo, rosa e azul, e as figuras geométricas assinadas por Esther, umas maiores e mais centrais, outras mais pequenas, contrastam com o branco caiado nas paredes em volta.
Sentada numa cadeira no pátio e embrulhada numa manta de riscas também coloridas, presa com um alfinete, a artista, vestida com colares e pulseiras, nos braços e nas pernas, de missangas ou de bronze e ouro, tradicionais da sua tribo, até parece pequena e frágil, mas é a grande divulgadora pelo mundo do património artístico dos Ndebele.
“A Esther foi um marco muito especial” dentro da comunidade Ndebele, no norte de Pretória, “porque tem uma contemporaneidade bastante extraordinária” e o seu trabalho “marcou diferentemente as outras pinturas da sua tribo”, diz à Lusa Alexandra de Cadaval, diretora do Evora Africa.
Nesta tribo, conta Alexandra de Cadaval, o património artístico é transmitido de mãe para filha e, quando uma jovem chega à puberdade, aprende os padrões de missangas Ndebele e as pinturas decorativas nas casas, executadas só pelas mulheres.
“Quem a descobriu, há 35 anos, foi o curador [do festival] André Magnin. Foi à procura dela nas aldeias e descobriu, vendo a casa dela, que ela realmente tinha uma visão diferente”, pela sua “maneira de pintar e utilização de cores”, refere.
Com penas de galinhas de como pincéis, Mahlangu transportou para telas, pratos e potes a sua arte, desenhada à mão livre, sem medições prévias, e foi através de uma exposição no Centro Georges Pompidou, em Paris (França), em 1989, que o mundo a descobriu.
“A partir daí, foi convidada mundialmente para fazer trabalhos”, afirma Alexandra de Cadaval, orgulhosa do mural do palácio, que deve ser “o maior a nível mundial” da autoria da artista, que pintou ainda zonas do restaurante e peças de barro do centro oleiro de S. Pedro do Corval para serem vendidas na loja do festival: “A Esther não para de trabalhar”.
A artista, que começou a pintar com 10 anos, ensinada pela avó e pela mãe, alude, com ar divertido e risos pelo meio, aos automóveis pintados para a BMW e para a Fiat, ao avião para a British Airways e aos países que já visitou e onde expôs, tudo graças à sua arte.
“Nem sequer pensei nisso, de viajar por todo o mundo através do meu trabalho”, reconhece, confessando ser “apenas uma pessoa com um sonho”, o de “construir uma escola de artes” na sua aldeia, para poder ensinar a arte Ndebele “a rapazes e raparigas” e manter “viva” a tradição.
Mesmo longe, a sua comunidade está sempre por perto, graças às novas tecnologias. Alexandra de Cadaval confirma-o. Neste período passado em Évora, a artista falou, “todos os dias” com a sua gente, graças ao WhatsApp.
“Ela é uma princesa” na tribo “e é ela que mantém a comunidade toda, portanto, todos os dias, é aqui uma alegria porque toda a gente da aldeia quer falar com ela”, relata Alexandra, frisando: “Graças a Deus que existe o WhatsApp para ela poder falar com toda a gente”.
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