Na Argentina, "O Eternauta" é considerada uma história em banda desenhada mítica. No entanto, nunca fora adaptada para os ecrãs.

Quando foi oferecido a Ricardo Darín, sem experiência em ficção científica, o papel principal na série homónima, a estrela de cinema ficou um pouca assustada.

"Isso aconteceu num primeiro momento, mas depois fui acalmando", lembra numa entrevista à France-Presse (AFP) o premiado ator e produtor argentino de 68 anos, ao referir-se às origens do projeto.

Dirigida e escrita por Bruno Stagnaro, a superprodução dividida em seis episódios de uma hora que estreou na Netflix a 30 de abril e rapidamente conquistou os primeiros lugares do top mundial da plataforma, sendo apenas ultrapassada por "As 4 Estações", narra a resistência em Buenos Aires a um ataque extraterrestre a partir da novloea gráfica que o escritor Héctor Oesterheld (1917-1977) e o artista Francisco Solano López (1928-2011) publicaram entre 1957 e 1959.

Darín, conhecido por filmes como "Nove Rainhas", "Relatos Selvagens" e o vencedor do Óscar "O Segredo dos Seus Olhos", ficou entusiasmado com a ideia de interpretar o líder da resistência Juan Salvo quando notou que os restantes envolvidos encaravam o desafio com uma "abordagem muito séria".

A misteriosa neve tóxica que mata tudo o que toca, e que é apenas a primeira investida de um exército extraterrestre, "é algo absolutamente inesperado", conta. "E se se contar isto com respeito, seriedade (...) as pessoas vão abraçar a história."

Ricardo Darín em "O Eternauta"

Para o ator, "O Eternauta" cativou gerações porque é um épico do homem normal sem recursos nem poderes especiais que, num movimento coletivo, enfrenta uma ameaça totalitária.

"Os povos que conseguiram sobreviver são os que se juntaram lado a lado, defenderam-se e interessaram-se não apenas pelo que lhes acontecia individualmente", apontou.

Assim, a série "interpela" o presente, opinou Darín.

A novela gráfica foi uma garrafa lançada por Oesterheld ao mar com uma mensagem "que se transformou há muito tempo nesta espécie de slogan, de 'leitmotiv', que é: 'Ninguém se salva sozinho'".

Esta dimensão política evoluiu no tempo, com as sucessivas versões que Oesterheld escreveu enquanto aprofundava uma militância que acabria por levar ao seu desaparecimento durante a ditadura militar argentina (1976-1983), assim como as suas quatro filhas e três genros.

"Nunca foi feito algo assim"

A história exigia grandes cenários abertos de aspeto apocalíptico que representavam importantes desafios corporais: "Fisicamente, foi muito, muito trabalhoso", enfatizou Darín, muito mais velho que o Juan Salvo da banda desenhada, corpulento e com uns 40 anos.

O ator participou em 113 dos 148 dias da rodagem, muitos deles com roupas pesadas de inverno e sobre imensos cenários cobertos de toneladas de incómoda neve artificial.

"E sem mencionar as coisas que acontecem numa rodagem de ação, onde temos de rebolar, pular, cair, colidir, lutar; uma série de coisas em que, quando se tem 25 ou 30 anos, não acontece nada, mas eu tenho 114", brincou.

A escala da série também implicou grandes desafios técnicos, para os quais foram encontradas soluções ao nível de Hollywood.

"Nunca foi feito algo assim aqui", destacou Darín, orgulhoso.

"Um grande paradoxo"

Dentro de alguns dias, a estrela argentina começará a rodar uma longa-metragem coproduzida com o filho, Ricardo 'Chino' Darín, e a partir de setembro estará nos palcos de Madrid com "Cenas da Vida Conjugal". Entretanto, confia que a repercussão da série será "de alto impacto".

Para ele, "O Eternauta" reafirmará o elevado prestígio internacional do cinema argentino, o que "constrói um grande paradoxo", em tempos em que o governo do presidente Javier Milei retirou o apoio do Estado à cultura e, especificamente, ao Instituto Nacional de Cinema (INCAA).

"Como se faz para sobreviver a uma valorização tão impactante fora do nosso território e encontrar gente dentro do nosso que coloca em dúvida a importância do estímulo, da defesa da produção audiovisual?", questiona Darín.

"O Eternauta" é a série de língua não inglesa mais vista da Netflix

Na terça-feira, a Netflix informou que "O Eternauta" é a série de língua não inglesa mais assistida na plataforma em todo o mundo.

Desde a sua estreia, "a história de Juan Salvo deu a volta ao mundo, entrando no Top 10 global semanal da Netflix na posição #1 de séries de língua não inglesa", afirma o comunicado, que especifica que "O Eternauta" acumula "10,8 milhões de visualizações em todo o mundo".

Além de Portugal, "ficou no Top 10 semanal de séries em 87 países, como Brasil, França, Índia, Estados Unidos, Itália, México, Alemanha e Espanha, entre outros", acrescenta a nota à imprensa.

"Embora agora o género apocalíptico esteja muito estabelecido, esta é uma das primeiras histórias que introduz esse género e que vai estabelecendo um pouco as suas regras", disse à AFP o criador e diretor da série, Bruno Stagnaro.

O realizador destacou que, com uma marca muito argentina, "O Eternauta" aborda um tema universal: o ser humano que sai "para enfrentar a escuridão".

Stagnaro também se orgulha do nível tecnológico da série em tempos de crise da indústria audiovisual argentina devido aos cortes na cultura pelo governo do presidente Javier Milei.

"Podemos enfrentar como comunidade artística qualquer desafio que se apresente", declarou.

VEJA O TRAILER DE "O ETERNAUTA".