Ainda vamos agradecer o dia em que André Tentugal decidiu pousar a câmara de vídeo e, impelido por um desejo de super-herói, inventou o alter ego We Trust, trocando – ou pelo menos alternando – a realização de videoclips pela da vida musical activa.
Ontem à noite, o Sintra Misty recebeu um projecto que por terras lusitanas tem gerado um hype como há muito não se via, muito por culpa do tema “Time – Better not stop” que, para além de uma sonoridade que vai fundo no coração de qualquer indie de bom nome, conta com um fantástico videoclip filmado em super slow motion onde uns miúdos se aventuram na espetacular arte do parkour. Se juntarmos a isto o facto de muito boa gente ter descoberto este projeto em websites instalados fora de portas, o clima de mistério adensou-se e ganhou contornos de novela policial.
As músicas de We Trust orbitam como asteróides em torno do planeta amor. Imaginem um “Sea Change” menos sofrido e andarão lá perto. Nestas canções inspira-se o perfume e a sensualidade da música francesa - nos teclados e no timbre -, o romantismo electrónico de uns Junior Boys, o balanço rítmico de uns The Cure ou a acne juvenil e a rebeldia de uns Smiths. É uma pop em estado refinado, mergulhada num estado acústico e envolvida em doses certeiras de electrónica. Um belo cartão de visita a “These New Countries”, disco de estreia que chega às lojas dentro de dias e que arrisca, dizemos nós, a tornar-se num caso sério de popularidade.
Foi de cabelo cortado, barba aparada e movimentos graciosos que fazem vir à mente imagens de um estiloso bailarino russo que Jay Jay Johanson, amante do amor trágico, tomou conta do palco do Centro Cultural Olga Cadaval para evocar fantasmas e demónios que habitam as emoções humanas.
Acompanhado de um teclista que alternava entre o piano, os teclados e a gestão dos samplers, Jay Jay Johanson levou-nos numa viagem através da sua carreira, optando por apresentar apenas fragmentos do seu último disco de originais, “Spellbound”, mais virado para territórios jazzísticos, muito despido e que abdicou da arte da samplagem.
Num ecrã eram projetadas imagens a preto e branco de um filme realizado por Jay Jay, que mostrava rostos desafiando a câmara e revelando, sobretudo, o desapontamento e a angústia perante o fim de relacionamentos amorosos. Rostos de homens e mulheres, morenos e louras, partilhando a mesma dúvida e incerteza face à inevitabilidade de algo que chegou ao fim depois de uma batalha mais ou menos sangrenta.
Perante uma plateia composta por aficcionados de longa data e acompanhado de samplers e andamentos que nos evocavam os tempos iniciáticos de uns Portishead e do florecimento do trip hop, Jay Jay Johanson tocou temas como “Autumn Winter Spring”, “Milan Madrid, Chicago, Paris”, “She Doesn´t Live Here Anymore”, “Escape”, “Believe in Us”, “Dillema”, “Only For You”, “So Tell The Girls I Am Back In Town” ou a despida “On The Other Side”, composta há um ano e meio em Portugal, e que mereceu dedicatória ao nosso país.
O final chegou com “I´m Older Now”, com um sampler retirado da banda sonora de “O Cozinheiro, o Ladrão, a Sua Mulher e o Amante Dela” - pertencente a Michael Nyman -, altura em que Jay Jay desceu do palco e percorreu as primeiras filas, cumprimentando e agradecendo a presença dos muitos fãs que ontem estiveram presentes no Cadaval, alguns deles em estado de excitação bem visível.
E se uns saíram de mãos dadas para a noite húmida de Sintra, com a ideia de celebrar o amor à luz de velas ou ao som de uma sinfonia de Bach, outros, mais solitários, terão chegado a casa e aberto as caixas de memórias há muito encerradas, correndo o risco de acordar memórias que teimam em não abandonar o coração. Como cantavam os Strangelove num disco de 1998, foi uma noite para recordar “love and other demons”.
Pedro Miguel Silva
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