Palco Principal – Como foram dados os primeiros passos do Walter Benjamin no mundo da música?
Luis Nunes– Aos seis anos, comecei a estudar violino. A minha mãe obrigou-me. Mas o querer tocar, o querer fazer música - que é uma coisa diferente de estudar música - surgiu há 15 anos, na escola, quando conhecio Manuel e com ele formei uma banda, muito má, na verdade. Ensaiávamos depois das aulas e, por vezes, faltávamos às aulas para ensaiar. E fazíamos gravações em cassetes de quatro pistas. Enfim, começámos como toda a gente começa. Entretanto, tivemos várias bandas, como, por exemplo, os Jesus and the Misunderstood - a primeira banda mais a sério pós-liceu, editada pela Merzbau, a mítica editora do Barreiro.
PP – Entretanto, foste para Londres estudar. Foi nessa altura que surgiu o teu projeto a solo?
LN- O Walter Benjamin surgiu como um projeto paralelo aos Jesus and the Misunderstood, no qual eu explorava outra estrutura que não a convencional - baixo, bateria, guitarra -, outras sonoridades, e no qual podia colaborar com quem eu quisesse,e atéfazer música sozinho. Começou em Lisboa, também na Merzbau, e viu o seu primeiro EP ser editado no verão de 2007. Quando fui para Londres estudar engenharia do som, o projeto ficou um bocado parado, durante cerca de ano e meio. Lá, fazia música na mesma, mas sem dar concertos.
PP – Porquê Walter Benjamin?
ManuelDordio– Foi em 2007. Lembro-me de estar a decorrer a feira do livro em Lisboa e do Luíster dito: "Oh Diabo, isto é que era um nome bom".
LN– Sim, na feira do livro descobri um livro chamado "O Passageiro Walter Benjamin" e comprei-o.Contava a história de Walter Benjamin, um judeu quequeria abandonar a Alemanha nazi e fugir para os Estados Unidos, via Lisboa. Mas, na fronteira com Espanha, a guarda civil não o deixou prosseguir viagem e ele suicidou-se num quarto de hotel. Lembro-me dessa ideia trágica da fuga para Lisboa, onde eu vivia na altura, me ter fascinado. E o nome tem algo de clássico - Walter Benjamin...
PP – Mas existealguma relação entreo filósofoe o trabalho que tens desenvolvido enquanto Walter Benjamin?
LN- Não, não há qualquer relação, nem eu nunca tive qualquer pretensão a filósofio, pensador ou o que quer que ele tenha sido. A escolha desse nome foialgo parvo, espontâneo. Roubei o nome e achei graça a isso. Mas começo a pensar se não haverá pessoas a não acharem muita graça... Mas acho piada ao lado irreverente do nome - é um nome que nunca será consensual entre as pessoas.
PP – E a tua identidade musical... Como foi construída?
LN– Foi construída a ouvir mil e uma coisas, a tocar com muitas pessoas, a ler a "Blitz" à terça-feira, quando esta ainda era um jornal, e a ficar fascinado com a cultura, com as históriasque há à volta da música, dos discos, das bandas, dos concertos, etc.
PP – Sendo tu português, porquê a escolha do inglês para os teus temas?
LN– Porque me apeteceu. Eu trabalho com muitos projetos em português, não tenho nenhum problema com o português. Eu sou português! Mas na altura apetecia-me escrever em inglês, talvez por ser mais fácil, porque, apesar de não parecer, é mais natural escrever em inglês. Para escrever na nossa língua, é preciso ser mais arrojado. O inglês surgiu naturalmente e, como nós estudámos numa escola internacional...
MD - Nós falávamos todas as línguas. E lembro-me de haver, em casa do Luis, muita simpatia pelos Estados Unidos. A mãe dele ouvia muito Paul Simon e Bob Dylan. Acho que isso também acabou por influenciar a escolha do inglês.
LN– No nosso grupo de amigos também houve sempre muitos estrangeiros. Era a confusão linguística total! Nunca nos enraízamos muito, portanto, no português. Foi uma opção.
MD – No início, nem sequer sentíamos a obrigação de cantar numa língua específica...
WB – Tenho a consciência tranquila em relação a isso. Adoro música cantada em português. Mas acho que, para cantar em português, a minha música teria que mudar muito...
MD– Mais vale uma boa canção em inglês do que uma má em português.
PP – Como definem o vosso mais recente registo discográfico, "The Imaginary Life of Rosemary and me"?
LN- Este álbum é uma história. É a melhor definição que te posso dar. É quase como um livro: deve ser ouvido do início ao fim. Era essa a intenção que tinha quando o gravei e quando o idealizei. Todos me perguntam quem é a Rosemary, mas eu nunca respondo, pois não faz sentido explixar. É algo que o público deve descobrir. O objetivo é o público ouvir o discoe apropriar-se das histórias que estão lá, construir uma realidade na sua cabeça, até porque a música é exatamente isso: sentir semver imagens, sem haver contacto físico, e ter a perceção de algo que anda pelas ondas no ar, que é insensível, que não sabes bem o que é, pois não é muito real. Isso faz com que eu não queira explicar ou falar sobre essa pessoa.
PP – Hoje, divides o teu tempo entre a composição e a produção. Por qual dos ofícios nutres mais simpatia?
LN - Gosto dos dois. Gosto de variar.
MD - O facto do Luis produzir acaba por influenciar a forma como vai fazer as suas próprias músicas. Aprende-se muito quando se grava com outros. E vice-versa. Asua própria língua musical acaba por contagiar bastante as produções que faz, mesmo tendo ele já produzido coisas bastante distintas.
LN - Este disco foi escrito e produzido por mim. Consegui idealizá-lo e transportar a ideiapara um disco. Acho, portanto, que as duas coisas se complementam muito bem. Se eu tiver farto das minhas músicas ou farto de ouvir sempre a minha voz, tenho na produção um escape enorme - posso continuar a trabalhar com música, mas sentindo a novidade de uma música nova, de uma pessoa com ideias completamente diferentes das minhas.
PP - Concordas com o Manuel, quando ele refere que a tua língua musical influencia as produções que fazes e as produções que fazes influenciam a tua língua musical?
LN - Sim, sou muito influenciado pelas pessoas e aprendo com elas. Já trabalhei com pessoas que têm muito valor a nível musical e acho que aprendemos todos uns com os outros. Numa área criativa, o mais importante é essa partilha generosa de ideias, técnicas, emoções. Nesse aspeto, sou muito diferente do que era enquanto «músico de quarto».
Isabel Cortez e Filipa Oliveira
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