Em 1998, uma banda portuguesa lançava um disco em edição de autor que, pouco tempo depois, ascendia aos tops, conquistava o público e agitava a indústria discográfica, arrependida por não lhes ter dado ouvidos na altura certa. “Vinyl” (1998), o primeiro disco dos The Gift – se excluirmos o ainda mais caseiro “Digital Atmosphere” –, foi um saboroso momento pop, tão efémero quanto comer um único Ferrero Rocher. Mas marcava a afirmação dos The Gift como uma “marca”, uma banda auto sustentável, de nariz empinado, que não precisava da indústria para vender discos, dar concertos ou ganhar prémios.

Depois disso, o caminho para os The Gift foi sempre a descer. Começou com um pequeno sobressalto – “Film” (2001) –, nada de grave, para de seguida perderem a cabeça, os travões e darem trambolhões sucessivos até só conseguirem parar a máquina a poucos centímetros do abismo – “AM-FM” (2004).

Sete anos depois de um longo silêncio, os The Gift decidiram voltar à vida activa com “Explode” disco que, uma vez mais, contou com uma dinâmica de promoção ao nível do melhor marketing que por aí se faz. Pediram emprestada a ideia radioheadiana do “paga o que quiseres e faz o download” mas com um refresh: em vez de enviarem o pacote na totalidade, os pagantes do disco recebiam uma música por dia na sua caixa de correio virtual. Além disso, algumas personalidades – como Joana Vasconcelos, José Luis Peixoto ou Jel (Homens da Luta) – diziam quanto terem gasto com o disco em vídeos promocionais. Estava criada uma imparável dinâmica de venda, onde se comprava um produto de olhos fechados na convicção clara de que este só poderia trazer a felicidade.

Ontem, no primeiro de cinco concertos quase esgotados, os The Gift apresentaram “Explode” no Teatro Tivoli, repleto de espectadores em busca da felicidade prometida. O problema é que a felicidade vendida pelos The Gift é tão efémera quanto a felicidade material. O efeito surpresa e a compra de impulso passam depressa e, no final, ficamos com um produto nas mãos que não nos serve para nada e que nem sequer nos lembramos de ter comprado.

Em palco, num cenário onde não faltaram as projecções vídeo numa espécie de nuvem flutuante e um fantástico jogo de luzes – cortesia EDP – reflectidas em pequenos icebergues, os The Gift são tudo aquilo que nos mostram em “Explode”: um desejo megalómano e uma confusão criativa tão grandes que, de tanto quererem chegar a todo o lado, não chegam a parte alguma.

“My Sun” é um piscar de olhos aos Arcade Fire, onde nem sequer faltam os gritinhos da ordem; “Primavera”, cantada em português e com uma letra que facilmente se encaixaria numa telenovela venezuelana de puxar à lágrima, inicia com uns teclados ao ritmo dos Beach House; “Race is Long” é uma colagem à pop divinal dos Flaming Lips; “Made For You” é um daqueles singles desenhados a régua e esquadro para tocarem em rádios até não podermos mais com um refrão cantado cinquenta vezes em apenas quatro minutos e quarenta segundos; “Mermaid Song” é uma boa canção, a excepção à regra; e “The Singles”, um monumento de 12 minutos composto a partir de músicas que ficaram de fora, é aquilo que os MGMT conseguiram fazer no último disco mas, no caso dos The Gift, sem o brilhantismo.

Aliás, “The Singles” é o momento alto do disco. Caso tivessem explorado este pequeno filão de temas, “Explode” seria certamente um disco diferente, com um ar mais genuíno, original e menos mecanizado. Será triste não conseguir ir além das comparações mas, não o fazendo, corremos o risco de apenas falar de um imenso vazio. Uma coisa é certa: mora aqui uma crise de autoconfiança de todo o tamanho.

Fica uma pequena consolação. Em tempos onde o PEC já está perto da meia dúzia, as progressões de carreira estão congeladas e o FMI insiste em não nos largar a porta de casa, os The Gift têm o futuro assegurado. Quando a música der para o torto, podem sempre dedicar-se ao Marketing.

Pedro Miguel Silva