O início foi logo peculiar. Em vez de Janelle Monáe, coube a um dos seus músicos ser o primeiro a entrar em palco na apresentação de uma noite "para fazer história", capaz de provar que "a música é a única linguagem sem fronteiras". Exagero? Sem dúvida, mas também por isso um episódio divertido. Nesta introdução o mestre de cerimónias pediu ainda que todos os espectadores gritassem os seus nomes bem alto ("Prazer em conhecer-vos", responderia) e que se apresentassem às pessoas à sua esquerda e direita. Uma solicitação invulgar, embora simbólica da própria diluição de barreiras que a música da artista procura.
Fotos do último dia do festival -Vicente Palma, Nuno Prata, I Blame Coco, Junip, Batida, Janelle Monáe e Linda Martini:
Janelle começou por surgir primeiro numa gravação no ecrã ao fundo do palco, juntando-se pouco depois aos seus seis músicos e duas bailarinas que se encarregaram de meter todo o público de pé (as cadeiras, tal como no concerto de Kele, na noite anterior, eram dispensáveis).
Com a poupa e smoking que são já a sua imagem de marca, foi recebida entre uma chuva de aplausos e iniciou a actuação com os temas de arranque do seu disco de estreia, "The ArchAndroid" (um dos mais elogiados do ano). Em "Dance Or Die" disparou palavras no meio de ritmos acelerados e tribais q.b. (não muito distantes do universo de M.I.A) e pouco depois, em "Locked Inside", fez uma viragem para um R&B orelhudo de contornos clássicos. E tanto numa canção como noutra, levou a uma propagação de abanões de anca por toda a sala.
Depois da curiosa introdução, esta continuação não terá defraudado as expectativas mais elevadas, mas foi preciso aguardar vários minutos para atingir um ponto de ebulição comparável. O momento chegaria já perto do encore, com a muito aguardada "Cold War". O final da canção, numa invejável aliança de ritmo e melodia, quase fez a sala entrar em órbita, e o mundo seria um lugar melhor se todos os singles fossem tão infecciosos. Logo a seguir, outra grande cartada - que é como quem diz, outro single -, "Tightrope", onde Janelle reforçou a atitude confiante e os passos de dança enquanto a sala se encheu de balões.
Até aí, o que o concerto ofereceu foi mais interessante do que propriamente brilhante. "Smile", versão de uma canção de Charlie Chaplin, investiu numa discrição e minimalismo algo anticlimáticos, e se a borbulhante "Wondaland" recuperou o ambiente festivo (com confetti e tudo) a mais psicadélica e dopada "Mushrooms & Roses" impôs um tom algo morno - embora tenha sido nesta que Janelle terminou de pintar um "I love you" numa tela, colmatando a ausência de comunicação verbal com o público.
O alinhamento teve então tanto de fusionista como de desigual, numa combinação de estilos que nem sempre manteve o apelo - as guitarradas, em especial nos solos, pareceram estar lá só para juntar rock a uma receita que agrega funk, soul, hip-hop ou electrónica, não trazendo especial mais-valia (aqui "Cold War" foi mesmo a excepção). O final, contudo, não deixou de ser grandioso, resultado num dos escassos momentos com alguma espontaneidade. Os dois singles deixaram os ânimos em alta e o encore conseguiu manter a fasquia. Em "Come Alive (War of the Roses)", Janelle juntou-se ao público e este não só cantou com ela como se baixou à medida que o volume da canção diminuiu. A conclusão foi inevitavelmente esmagadora e também algo repentina ao fim de apenas uma hora. De qualquer forma, e mesmo que tenha sabido a pouco, para muitos foi também um concerto que valeu por um festival inteiro.
Nuno Prata em dia sim no Maxime
Também numa sala bem preenchida, neste caso a do Cabaret Maxime, Nuno Prata não será alvo de tanto hype como Janelle Monáe masfoi tão ou mais convincente. O ex-baixista dos Ornatos Violeta editou há poucas semanas o seu segundo disco, "Deve Haver", registo onde se encontra uma das grandes canções nacionais do ano, "Um Dia Não São Dias Não". Retrato perfeito de um dia de folga em pijama, foi também a melhor forma de iniciar um dos concertos mais memoráveis do festival.
Prata cantou, tocou baixo e guitarra e foi muito bem acompanhado por dois músicos, autênticos homens dos sete instrumentos - ou até mais, numa actuação onde se ouviu bateria, orgão, flauta, xilofone, uma caixinha de madeira ou até alguns instantes de beatbox.
Condimentadas com arranjos inventivos e meticulosos, as canções traduzem uma voz própria, desenham um imaginário intrigante e terão conquistado vários adeptos. Ainda bem, porque temas como o contagiante "Refrão Canção" merecem melhor sorte do que a que teve o disco de estreia do músico, "Todos Os Dias Fossem Estes/Outros" (2006), que passou algo despercebido na altura do lançamento. E não foi por falta de boas canções, como o provaram "Nós Não" ou "Hoje Quem", dois dos pontos altos do concerto.
O rock(zinho) trauteável dos I Blame Coco
Janelle Monáe não foi a única estrela internacional em fase de ascensão a passar pelo segundo dia do Super Bock em Stock. A inglesa Coco Sumner, filha de Sting, levou os seus I Blame Coco a um movimentado espaço BES Arte e Finança, na apresentação do disco de estreia "The Constant".
O grupo junta uma voz grave a um rock electrónico que quer passar por sombrio, embora só o seja à superfície. Na essência estas são canções talhadas para as rádios, onde a pujança não disfarça a previsibilidade. Ainda mais do que no álbum, a banda soou a uma mistura de Amy Macdonald com Imogen Heap, cruzamento que não é particularmente excitante mas também não comprometeu uma actuação segura.
Coco, comunicativa, manteve-se em sintonia com um público dedicado que a acompanhou em temas como "Quicker" ou "Caesar", até porque não é difícil ficar com estes refrães na ponta da língua. Só é pena que, tirando alguns ritmos bem esgalhados, haja poucos motivos para regressar a estas canções.
Vicente Palma: o concerto antes do disco
Quem também passou pelo BES Arte e Finança foi Vicente Palma, também ele filho de um músico - sim, de Jorge Palma, que actou no festival no dia anterior. O concerto, o primeiro da noite, permitiu ouvir algumas canções que deverão integrar o disco de estreia do jovem cantautor, e muitos curiosos foram chegando e ficando. A impressão deixada é que o álbum segue um caminho mais próximo do rock do que o que se conhecia de Vicente - a promissora versão de "Para Rosália", de Adriano Correia de Oliveira, gravada há três anos.
Marina Gasolina com simpatia mas sem canções
Já no final da noite, a brasileira Marina Gasolina fez do Maxime um requisitado ponto de encontro. A ex-vocalista dos Bonde do Rolê também se prepara para editar o álbum de estreia e, pelo que se ouviu no concerto, nada terá a ver com o baile funk que a levou a vários palcos. A troca, no entanto, não a favorece. Assente num rock cantado em inglês, pouco imaginativo e sem grandes variações, o concerto valeu apenas pela atitude da cantora. Com um à vontade - ou lata, dependendo da perspectiva - que marcou concertos anteriores, Marina cravou cigarros ao público, fotografou-se no telemóvel de uma fã, meteu conversa entre as canções e não abdicou da cerveja. Mas espremendo o alinhamento, salvou-se apenas o single "Leone", pequeno devaneio de recheio electroacústico e ritmo cavalgante.
O último dia da terceira edição do Super Bock em Stock incluiu ainda concertos nas Salas 1 e 2 do Cinema São Jorge, Parque de Estacionamento do Marquês de Pombal, Restaurante Terraço do Hotel Tivoli, Estação de Metro do Marquês de Pombal e Vodafone Bus. Junip, Marcos Valle, Domingo no Quarto, Batida, Linda Martini, Jono McCleery, Lula Pena, Youthless, Márcia e Art House Big Band (que juntou elementos dos Moonspell, peixe : avião ou Nu Soul Family) foram os restantes artistas da noite. Do cartaz agendado, apenas os Fujiya & Miyagi faltaram à chamada, devido à greve dos controladores aéreos em Espanha (motivo que já tinha levado ao cancelamento do concerto de Adam Kesher no primeiro dia). A quarta edição do festival, a julgar pelo sucesso desta e das anteriores, deverá voltar a levar música e romarias várias à Avenida da Liberdade no próximo ano.
Texto @Gonçalo Sá/ Fotos @Vera Moutinho
Videoclips dos artistas do festival:
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