O texto “Music and more than music – difference and identity in portuguese punk”, dos sociólogos Paula Guerra e Augusto Santos Silva, da Universidade do Porto, refere que, no contexto das bandas portuguesas, a linguagem dos direitos humanos tem “inegável relevância”, assim como a vinculação politico-ideológica ao radicalismo de esquerda, à ação direta e ao anarquismo.

“A força de ideários políticos de direita radical, observada com mais intensidade noutras cenas punk, não se encontra tão vincada em Portugal. A razão parece-nos simples e tem a ver com o facto de só em 1974 ter terminado um longo ciclo de 48 anos de ditadura de extrema-direita”, escrevem os investigadores.

O movimento punk surgiu na segunda metade dos anos 1970 nos Estados Unidos e no Reino Unido, no contexto de plena crise económica e em plena Guerra Fria, expressando-se através de música, roupa, publicações e, sobretudo, rebeldia contra o sistema e a geração anterior dos anos sessenta.

Os sociólogos analisaram músicas de 496 bandas portuguesas, das quais cerca de um terço estão em atividade e 218 estão extintas ou com atividade suspensa.

Além das músicas, os nomes das próprias bandas foram analisados, salvaguardando que encarar o movimento punk a partir das letras dos temas tem um alcance limitado porque, afirmam os autores da investigação, nem a música punk se reduz às letras, nem o movimento punk se reduz à música.

De acordo com a tese, o discurso punk, em Portugal, é também hiperpolítico, porque põe em causa a estrutura de poder da sociedade envolvente e tem especial predileção pelo questionamento “inconveniente”, sem limites nem condições, de alguns dos valores mais intocáveis (como as instituições militares ou religiosas e os símbolos nacionais) e “porque promete nada menos” do que a destruição violenta e total dessa ordem, por mais democrática que seja.

“Ao mesmo tempo, o discurso punk é subpolítico - fica aquém da política - porque é regularmente atravessado pelo que se poderia designar, sem ironia, como a expressão conformista do inconformismo ou a ausência conformista da afirmação alternativa, isto é, pela sua redução à denúncia, pelo que, a outros olhos, poderia mesmo ser entendido como a sua rendição à denúncia”, refere a investigação.

O trabalho indica ainda que o mundo punk em Portugal é “muito masculino”: um universo de bandas e bandos juvenis em que as mulheres não são – com raras exceções – sujeitos, nem “os seus problemas constituem tópicos de agenda” a não ser na muito convencional forma do relacionamento amoroso ou da “predação sexual”. O trabalho analisa ainda os “sentimentos e as causas, e também a música, a diferença e a identidade”.

Os vários quadros que percorrem a tese revelam os assuntos predominantes nas várias mensagens do punk rock, nomeadamente os sentimentos expressos através das letras de 264 canções, e que indicam que a “denúncia, o protesto e a demarcação” são tópicos no topo da lista (42%), seguidos de “luta e revolta” (18,9%) e “raiva e ódio” (13,6%).

A afirmação, a vontade de expressar uma mensagem concreta e sobretudo a rebeldia são uma marca constante do punk, como é exemplo o “hino” dos Cães Vadios - “Sou um cão vadio/ E mordo quem me pisa na cauda” (da canção “Cão vadio”, 1987), referida na investigação, que sublinha a importância do movimento numa sociedade como a portuguesa, envolvida em processos relativamente recentes de democratização e modernização.

Este e outros trabalhos vão ser apresentados num congresso sem precedentes sobre o punk em Portugal (https://www.facebook.com/kismif.conference2014?ref=hl ) e que vai realizar-se entre os dias 8 e 11 de julho na Casa da Música e na Universidade do Porto, prevendo reunir 160 especialistas e académicos de 30 países.

@Lusa