Numa sala de ensaio da sala de espetáculos que ajudou a erguer, Pedro Burmester sujeita-se à barragem dos jornalistas curiosos pelo duplo regresso, tal como o público que correu quase a esgotar o espetáculo que marca o fim do ciclo de piano da EDP.
“Um duplo regresso aumenta a pressão. Eu tento disfarçar, dizer que é mais um concerto, mas tem uma carga diferente. É a primeira vez aqui, e as primeiras vezes costumam ser inesquecíveis, sejam boas ou más, e é aqui nesta cidade, depois de um último concerto no Dragão”, lembrou à agência Lusa Pedro Burmester.
A última vez que tocou na sua cidade natal foi na inauguração, há dez anos, do estádio do FC Porto, num piano suspenso sobre o relvado. Desde aí só uma subida ao palco, irónica, para interpretar os “4’e 33”” de silêncio de John Cage.
Em 2003 envolveu-se numa polémica com o então presidente da autarquia Rui Rio, que defendeu a demissão do pianista da administração da Casa da Música, cargo que ocupava depois de ter sido coordenador musical da Porto 2001, Capital Europeia da Cultura. Nessa altura, como “protesto político”, Burmester decidiu não tocar mais na cidade enquanto Rui Rio estivesse à frente da autarquia portuense. “Aquilo que mais me incomodou e que me levou a este modesto boicote foi a total ausência de discurso em relação à cultura, foi o ignorar. O ignorar é que me incomodou mais do que propriamente o fazer mal”, diz hoje Pedro Burmester.
Hoje, considera que esta é uma página voltada. “Quando um candidato à Câmara do Porto diz que um dos três pilares da sua política é a cultura isso quer dizer que mudamos radicalmente porque isso nunca foi dito nos últimos três mandatos, aliás não foi dito isso nem coisa nenhuma, o que foi o mais assustador”.
Mesmo assim, acha que a área da cultura soube sobreviver a “uma página que não fazia qualquer sentido”. “A cidade vinha do Porto 2001, com um andamento grande em relação à cultura, aguentou bem o embate que se seguiu e continuou a fazer o que vinha a fazer, até porque, por natureza, é uma cidade criativa e tem muita gente diligente naquilo que faz” afirmou. “Os cães ladram e a caravana passa”, concluiu.
Pedro Burmester, que já foi administrador e programador da Casa da Música, não classifica a sua estreia no palco da sala Suggia como “regresso a casa”. “Esta nunca foi a minha casa, foi uma casa a que dei muito de mim, mas nunca me apropriei dela e está na história da minha vida, até um pouco surpreendentemente” diz o pianista, que afirma que quando fez parte do grupo que preparava a Porto 2001 nunca pensou que a necessidade de “arranjar uma sala para a Orquestra” se transformasse naquilo que é hoje a Casa da Música.
O pianista desvaloriza as limitações orçamentais com que a instituição se tem debatido nos últimos anos considerando que “os constrangimentos são circunstanciais, embora provavelmente vão durar mais tempo do que é desejável”. “Não afetam aquilo que é mais importante no projeto, ele continua a oferecer muitas e variadas coisas, continua a chamar público e está em velocidade de cruzeiro com as dificuldades como todas as outras áreas têm”, considerou.
Um concerto que vai de Bach a Lopes-Graça
No encerramento do ciclo de piano EDP, o pianista vai tocar obras de Bach, Franz Liszt, Fernando Lopes-Graça e Gyorgy Ligeti.
O reportório para o concerto, confessa, “não foi escolhido a pensar no que funcionaria bem, calhou assim, embora o calhar assim não é por acaso”. Não é por acaso que lá está Bach, porque sempre toca “sempre alguma coisa de Bach”. “É por culpa, eventualmente, da professora que tive, Helena Sá e Costa, que era exímia intérprete de Bach e achava que Bach era o núcleo de onde quase toda a música sai” explica.
Depois segue-se Liszt, com a “Benção de Deus na solidão”, um compositor que Burmester diz que para os pianistas é “o super-herói, o homem que revoluciona totalmente a forma de tocar piano”.
A obra a interpretar reflete a relação de Liszt com a religião. “Tem até um poema que ele põe na partitura, que fala de um homem que tem um encontro com Deus e, com isso, renasce, é um homem novo. Acho que a música transmite isso de uma maneira muito tocante. É uma obra que faz bem à alma. E, portanto, achei que obras que fazem bem à alma, são particularmente boas nos tempos que correm.
De Lopes-Graça, Burmester vai tocar “Variações sobre um tema popular português”, a primeira obra do compositor português para piano que ele considera “um grande nome da cultura portuguesa, ao lado de Pessoa, de Camões, de Saramago”. Julga que esta é a primeira vez que toca Lopes-Graça e arrepende-se “de não ter chegado lá mais cedo”, mas está convencido que será “a primeira de muitas”.
Para fechar, o húngaro Ligeti. “Estou curioso para ver a reação do público a esta obra porque, apesar de tudo, não é assim tão contemporânea quanto isso. Foi escrita em 1953, já lá vão 60 anos. Mas que, um pouco, a história da música do século XX”, acrescentou.
@Lusa
Comentários