Palco Principal - Como é que começou a tua jornada musical?

Martim Torres -Quando tinha 16 anos e estudava no liceu, conheci uma malta que tinha uma banda – banda que ainda não tinha um baixista. Puderam-me um baixo nas mãos e comecei a tocar com eles, mesmo sem saber nada de música. Nessa altura estudava artes e a minha mãe achava que eu era pintor. Na verdade, não pintava nada de jeito, mas estava sempre a desenhar. Foi um grande desgosto que a minha mãe teve quando lhe disse que queria seguir música - tinha que esconder o baixo e um powerbeat que comprei com a ajuda de um amigo debaixo a cama. Eventualmente, decidi levar a música a sério e convenci a minha mãe que era isso que queria estudar- Fui, então, para a ETIC, que tinha um curso muito fixe – Música e Novas Tecnologias -, onde aprendi o jazz, o funk e a soul. Estes géneros fascinavam-me e cheguei, inclusive, a ter uma banda tributo a Jamiroquai – uma banda incrível, fizemos imensos concertos pela cidade! Na Escola Superior estudei contrabaixo, porque não era possível tirar o curso de baixista elétrico. Depois fui para o Porto, onde estudei Produção e Tecnologia da Música. Produzir canções e gravar faixas em casa é algo que me atrai imenso.

PP – E entretanto nasceu o projeto O Martim…

MT – Sempre pensei no que iria fazer se tivesse o meu projeto porque sabia que, eventualmente, queria fazer música minha. Não sabia era se ia ser como baixista a solo, como um quarteto de jazz, ou se ia gravar alguma coisa no registo funk. Cheguei à conclusão que, depois de ter passado por tantos géneros, o pop acabava por ser a soma disso tudo. Portanto, foi uma escolha evidente. Entretanto, conheci o Bernardo Fachada e o mundo das canções, dos cantautores, que me fascinou. A partir daí, comecei a compor e a escrever canções caseiras – e assim nasceu O Martim. Mais tarde, a banda começou a crescer e precisei de gravar baterias acústicas. Apesar das minhas caixas de ritmo criarem uma sonoridade que eu gostava, estava a precisar de algo mais orgânico. Então, o David Pires, que foi um bacano, veio gravar todas as partes de bateria, acabando por ficar na banda. O António Quintino juntou-se a nós e, durante algum tempo, fomos um trio de rock. Quando senti necessidade da banda crescer, a Íris chegou e fez d’ O Martim uma banda de quatro elementos.

PP – “Em Banho-Maria”, o álbum de estreia a solo, chega a 4 de fevereiro. Como correu o respetivo processo de criação?

MT - É muito fácil para um pessoa como eu, grande fã de produção e maquinaria, perder-se na estética sonora da canção e não tanto na canção em si. O B Fachada ensinou-me uma coisa que acho essencial e que só mais tarde viria a perceber: podes pintar a coisa da maneira que quiseres, mas, se não houver uma boa canção escrita, nada feito. A sonoridade e a estética vêm depois, embora seja comum inverter estes papéis. No “Em Banho-Maria” o que tentei fazer foi descascar as canções todas, sem efeitos especiais, para perceber se havia ali uma canção boa ou não. Fazia as gravações só com guitarra e o processo criativo passou muitas vezes por esta fase.

PP – Banho-maria é uma técnica para cozinhar ingredientes de forma lenta, intensificando o sabor, sem risco de queimar. Foi essa a postura que adotaste no teu disco?

MT – Em teoria, é a ideia de ferver, mas sem queimar. Mas acaba por ser um jogo de palavras com dois sentidos. Também envolve a brincadeira de ver uma Maria a tomar banho, sobre a qual eu falo na primeira canção. Esse tema pretende simbolizar a Maria como uma coisa utópica, que não se consegue totalmente. É a história de um rapaz que, apesar de conhecer a pessoa, não consegue o amor. É a ideia que criamos na cabeça, de um namorado ou namorada, que não chega a corresponder à realidade.

PP – Dirias, então, que a temática de “Em Banho-Maria” anda em volta desse amor que nunca se alcança, utópico e saudosista?

MT – Sim, apesar de falar, também, do Cais do Sodré e das viagens de carro, aqui e ali, a temática central é a derrota no amor, a frustração. A minha mãe e os meus amigos dizem que tenho um grande azar no amor. Sou uma pessoa muito apaixonada, mas as coisas correm sempre mal. Cheguei à conclusão que talvez tenha instinto masoquista – procuro sempre aquela que é a pior pessoa para mim, não sei se não será para alimentar a minha inspiração…

PP – Temas como Meu Amor e Cafuné tiveram o toque de mestre de B Fachada. O resultado final foi do teu agrado?

MT – Quando comecei a gravar, chateava imenso o Bernardo para que ele me produzisse o disco, mas na altura ele estava a gravar o álbum dos Diabo na Cruz e, pouco tempo depois, foi pai. Enfim, coincidiram algumas coisas que impossibilitaram a produção completa do disco, mas esses dois temas acabaram por passar em casa dele, para serem remisturados. O Fachada é uma grande referência, sempre foi e sempre será. É uma pessoa super metódica e extremamente trabalhadora, que cria canções de uma maneira sublime.

PP – Como tem sido a recetividade do público que assiste aos teus concertos?

MT – Tem sido inacreditavelmente boa. Este projeto é recente e os concertos que temos dado são em salas pequenas, aqui por Lisboa. Normalmente, tocamos pelo Cais do Sodré com um público cheio de amigos nossos e familiares, mas, cada vez mais, vemos caras desconhecidas nos espetáculos, que, no final, vêm falar connosco, a dizer que gostaram muito do concerto, e isso, para mim, é muito bom.

PP – Embora o teu percurso esteja a começar, acredito que já tenhas um par de histórias engraçadas para contar. Alguma que possas partilhar?

MT – Há várias, mas vou falar da história do “Tu não és o B Fachada”. Para além de ser um tema do meu disco e um tributo ao Bernardo, é uma história que aconteceu na noite. Depois de um dos meus namoros falhados, passava muito tempo no Cais do Sodré, e um dia conheci uma miúda que estava estranhamente fascinada comigo, sem eu perceber porquê. A certa altura, ela diz: “Martim, não estou nada bem”. E eu, preocupado, pergunto-lhe: “Então, mas o que é que se passa?”, ao qual ela responde: “Epá, oh Martim… é que tu não és o B Fachada”. Depois fiquei a pensar que aquela pessoa queria estar ao pé de mim só porque sabia que eu tocava com o Bernardo. Uma história que nem chegou a desamor.

PP – Fazes parte da dupla Maria Amélia, que toca todas as sextas-feiras no programa da RTP, “5 para a Meia-Noite”. Mais uma Maria, portanto. É um nome com conotação especial para ti ou surgiu por acaso?

MT – Mais uma Maria – bem visto! No caso dos Maria Amélia, o nome surge por causa de uma mulher meia maluca que andava pelas ruas de Lisboa. O Nilton encontrava-a várias vezes, perto das torres do Técnico, e ouvia-a dizer que, quando olhava para cima, as torres do Técnico a perseguiam. No início do programa, a Maria Amélia era uma dupla formada pelo Nilton e por outro guitarrista – não fui eu que dei o nome à banda. Eu entrei mais tarde, para substituir o guitarrista. O nome Maria, neste caso, foi um acaso.

PP – Como lidas com a tua presença televisiva? Com a mesma naturalidade com que lidas com o palco, ou ainda não te sentes amigo das câmaras?

MT – Apesar de estar na televisão há quase quatro anos, continuo a não ter um grande à vontade em frente às câmaras. Estou melhor do que quando comecei, mas, ainda assim, fico nervoso. Em palco, estou extremamente confortável. Não sei explicar porquê, mas tenho um à vontade muito maior. Mantenho-me a pessoa que sou, sou mesmo eu, em palco. Sem dúvida que a minha prestação e presença diferem da televisão para o palco.

PP – Que sala de espetáculos te levaria a aperceber que, finalmente, chegaste ao lugar musical onde sempre quiseste estar?

MT – Pode parecer uma resposta parva, mas vou dizer ZDB, porque me parece que eles não deixam lá tocar qualquer banda… E foi, também, o lugar onde toquei com o B Fachada, e no qual mais me diverti. A sala ideal não é, para mim, uma sala grande. Para já, não ambiciono tocar em Coliseus – gosto de salas e de palcos pequenos. O Ritz Clube é uma boa sala de concertos, tal como o Teatro Sá da Bandeira – será uma sala incrível para a banda tocar!

PP – E que artistas te levam a pensar numa colaboração de sonho?

MT – O Rodrigo Amarante, dos Los Hermanos, é a escolha óbvia – é o meu ídolo. Em segundo lugar, o Marcelo Camelo, também dos Los Hermanos. Há uns dias, cruzei-me com ele à porta da minha casa. Andava de um lado para o outro com a banda, depois de termos gravado em minha casa, e ele estava a sair de um supermercado. Fiquei a olhar e foi o David Pires que me confirmou: “É ele, é”. E lá fomos conversar com o Marcelo…

PP – Um concerto que tenhas visto ultimamente e que vá ficar na tua memória durante muito tempo…

MT – Ver Stevie Wonder no Rock in Rio foi brutal. É um artista que oiço desde pequeno. Deu um concerto de duas horas e meia e foi mesmo muito bom!

PP – E que nomes da cena musical portuguesa te têm despertado a atenção (e o ouvido)?

MT – Sou um grande fã da malta da Flor Caveira. Posso mencionar o Jónatas Pires, com o seu projeto a solo e com Os Pontos Negros, ou os Capitão Fausto, que estão a fazer música rock e têm uma mística muito gira, que soa a novidade.

Sara Fidalgo