A cantora e atriz Marianne Faithfull, 78 anos, morreu hoje, em Londres, anunciou o seu porta-voz à comunicação social britânica.
“É com grande tristeza que anuncio a morte da cantora, compositora e atriz Marianne Faithfull”, disse o seu porta-voz, citado pelos canais de televisão BBC e Sky News, acrescentando que “morreu em paz na companhia da família”.
Marianne Faithfull, que nasceu na capital britânica em 29 de dezembro 1946, tornou-se conhecida internacionalmente com a canção “As Tears Go By”.
É a criadora de canções como "Broken English" e "Falling From Grace".
Marianne Faithfull atuou em Portugal em 1993, no Coliseu do Recreios, em Lisboa. Regressou em 2005, no âmbito do CoolJazz, em Oeiras.
De musa a mestre
Marianne Faithfull era uma das grandes sobreviventes dos anos 1960, recuperando-se da dependência do álcool e das drogas para se tornar uma cantora e compositora célebre e distinta.
Há muito conhecida pelo seu relacionamento tempestuoso com Mick Jagger, dos Rolling Stones - que, com o seu colega de banda Keith Richards, escreveu o assombrado sucesso "As Tears Go By" em 1964 -, a artista sacudiu o manto de "musa" para criar o seu próprio nicho musical único.
Marianne Faithfull nasceu em 29 de dezembro de 1946 numa família aristocrata em Londres: a sua mãe era uma baronesa austro-húngara e o seu pai um erudito espião britânico.
As suas primeiras aparições foram no mundo folk antes de ser atraída para a órbita rodopiante dos Stones.
Ela trouxe sofisticação boémia e uma sensação de estilo inato ao suburbano Jagger após a introdução feita pelo empresário da banda, Andrew Loog Oldham, que a descartou como "um anjo com peitos grandes".
“Fui tratada como alguém que não só não sabe cantar, mas também não escreve, apenas algo que se podia transformar em algo”, diria mais tarde.
No entanto, a sua entrega cortante deu uma estranha melancolia a canções otimistas como "This Little Bird", "Go Away From My World", "Morning Sun" e "Broken English".
Quando foi morar com Jagger, aos 19 anos, Faithfull já tinha casado há pouco tempo e um filho.
Além de co-escrever "Sister Morphine", foi creditada por inspirar as canções clássicas "You Can't Always Get What You Want" e "Sympathy for the Devil", após apresentar Jagger ao romance clássico do escritor russo Mikhail Bulgakov "O Mestre e Margarita".
Os dois eram o rei e a rainha da 'Swinging London', e Faithfull também era a melhor amiga de Anita Pallenberg, a artista e atriz - e ex-namorada de dois outros membros dos Stones, Brian Jones e Keith Richards - que se tornaria outro ícone da Rebelião dos anos sessenta.
Todos queriam algo dela, com Faithfull a entrar no filme "Made in USA" (1966), de Jean-Luc Godard, onde cantou "As Tears Go By". Também entrou com Glenda Jackson na encenação de “Três Irmãs”, de Chekhov, no National Theatre.
Mas Faithfull também estava a tornar-se uma viciada em cocaína e sentiu-se "destruída... e julgada como uma má mãe" após a polícia se vangloriar na revelação de que a tinham encontrdo com nada mais do que um tapete de pele durante uma operação antidrogas muito mediática em 1967, que levou a uma pena para Jagger e Richards.
Deixou Jagger três anos depois, numa altura em que a sua vida ficou descontrolada e passou por dificuldades durante quase dois anos em Londres.
Viciada em heroína, perdeu a custódia do filho e tentou o suicídio.
Quando reapareceu em público num um programa de televisão dos EUA em 1973, vestida de freira, para cantar "I've Got You Babe" com David Bowie, a sua voz fina e vacilante desaparecera, substituída por uma rouquidão profunda e encharcada de uísque que se tornaria mais tarde a sua imagem de marca.
Seis anos depois, o seu álbum "Broken English" foi uma revelação, não apenas pela mudança na sua voz e pela forma como expôs impiedosamente as profundezas onde se afundara, mas pelo 'tour de force' musical.
Isto relançou a carreira. Mas os seus demónios das drogas não tinham sido domesticados e, agora a viver nos EUA, voltou a bater na parede em meados da década de 1980.
Após sair da reabilitação, voltou para a Irlanda – um refúgio para ela durante toda a vida – e começou a reinventar-se como cantora de jazz e blues.
Foi então que começou a aprimorar o seu talento musical, inspirada pelo interesse na Alemanha da República de Weimar antes da Segunda Guera Mundial, e a relançar a sua carreira de atriz, interpretando a mãe na 'ópera rock' dos Pink Floyd, "The Wall: Live in Berlin" (1990).
Nas montanhas ao sul de Dublin, também escreveu o primeiro volume da sua autobiografia, que foi publicada junto com "A Collection of Her Best Recordings", apresentando os seus velhos amigos Keith Richards e o baterista dos Stones Charlie Watts e o guitarrista Ron Wood.
A sua reputação continuou a crescer com uma série de álbuns com colaborações de Daniel Lanois, Emmylou Harris, Roger Waters dos Pink Floyd e PJ Harvey e Nick Cave.
Já como uma lenda viva, interpretou-se a si mesma como Deus na comédia britânica "Absolutamente Fabulosas"... com a amiga Anita Pallenberg a fazer de diabo.
A própria Faithfull interpretou o Diabo no musical "The Black Rider", de Tom Waits e William S. Burroughs.
Sofia Coppola também a chamou para ser a Imperatriz Maria Teresa no seu filme "Marie Antoinette" (2006).
Foi também a protagonista de "Irina Palm" (2007), de Sam Garbarski, uma comédia dramática onde era uma mulher de meia-idade fazia tudo para ter dinheiro suficiente para pagar os tratamentos médicos que podiam salvar a vida do neto.
Surgiu ainda como cantora convidada numa série de canções, incluindo "The Memory Remains", da banda norte-americana Metallica.
Porém, apenas nos últimos anos a sua música finalmente se libertou totalmente da sombra da sua vida pessoal.
O seu último álbum, “Negative Capability” (2018), que escreveu e produziu em Paris, onde passou a maior parte dos seus últimos anos, foi uma meditação extremamente aclamada sobre perda e solidão.
Perseguida por problemas de saúde durante décadas, escapou de vários encontros com a morte, vencendo um cancro de mama e a hepatite. Em 2021, revelou que isso voltou a acontecer no início da pandemia e estava a sofrer os efeitos da chamada COVID prolongada.
Ainda semanas antes da sua morte, causou alvoroço ao aparecer na sua cadeira de rodas na primeira fila de um desfile de moda em Paris.
Comentários