O Milhões começou na sexta-feira, mas, ao início da tarde de quinta, já tudo debandava para a terra do galo. A CP ainda tentou boicotar a coisa, cancelando um dos comboios, para desespero dos festivaleiros, no entanto, às quatro da tarde, o Parque Municipal de Barcelos era a «quechualand» e a beleza da paisagem já só dependia da quantidade de metros quadrados à sombra.

Começando, oficialmente, no dia 20, a organização do Milhões de Festa deu um bónus aos campistas recém-chegados,oferecendo uma mão cheia de concertos durante a tarde e noite de quinta. Os concertos durante a tarde levaram a festa a toda a cidade, mas foi à noite que se sentiu o ambiente aquecer. Estava tudo mortinho por começar a desbunda e, por isso, a patuscada de receção ao campista foi um sucesso: comida para o pessoal encher o bandulho e vinhaça para afogar as saudades do Milhões 2011. Tudo a preços muito convidativos. De facto, uma das primeiras diferenças a notar entre o Milhões de Festa e a grande maioria dos outros festivais é o preço de tudo o que se consome. Desde as bebidas às t-shirts oficiais, não se nota aquela incómoda sensação de nos «irem ao bolso» de cinco em cinco minutos pelas mais pequenas necessidades festivaleiras. O comércio local faz imensas promoções pensadas especialmente para os “milhoneiros” e, mesmo dentro do recinto, nada sofreu grandes inflações.

Os repetentes não falharam à edição 2012, e, a julgar pela afluência a um primeiro dia de “aquecimento”, adivinha-se com facilidade um aumento das tropas. E, como a Patuscada é de borla, também se juntam à festa os locais, curiosos para ver o que se passa à beira do rio. Não fossem as gajas com cabelo esquisito e os meninos com casacos bordados a picos, podia ser uma festa na aldeia. Rola a cerveja e a sangria e já é tudo amigo do peito. Há até quem aproveite a agitação para fazer concorrência, vendendo umas sandochas à entrada do Palco Taina: “Lá em cima faço-te duas pelo preço de uma”. É a crise.

O Pedro Santos começou com um set eclético cheio de efeitos especiais e raios laser. Depois, os Johnny Sem Dente deram logo um cheirinhode curtiçãoà festa. A dona Maria levanta a sobrancelha mas não arreda pé. E eis que, a pedido de muitas famílias, e como anfitriões do festival, sobem ao palco pela segunda vez os barcelenses Glockenwise. A Taina está a rebentar pelas costuras e já anda um microfone à solta no público. Como se não bastasse, os rapazes ainda convidam o pessoal a subir ao palco. Cinco minutos depois, já se praticava um moche violentamente saudável e crowdsurfings com abundância. Mais vale chamá-los de "Louquenwise". Eles sabem que devem parar quando lançam umas calças para cima do palco (calças de homem, por sinal). A loucura avança noite dentro com Gnod e Pedro Santos a finalizar. A beleza exótica dos acontecimentos foi uma constante.

Dia 20 – O primeiro de Milhões

Os one-man-band deram o pontapé de saída oficial do Milhões de Festa 2012: a Jibóia está na Piscina a fazer das suas e Tren Go! Soundsystem a rebentar colunas no Taina. A rebentar, literalmente, as colunas, sejamos claros. Estes «gajos» que vão para cima de um palco completamente sozinhos fazer o seu próprio espetáculo sempre se parecem com miúdos a brincar na rua. É um momento tão íntimo que deixam o público com a sensação de olhar por uma porta entreaberta. À sombra das àrvores e com a vista privilegiada do Rio Cávado, o rock com blues de Tren Go! Soundsystem cai que nem gingas.

Logo de seguida, entram no palco Taina, em substituição dos New Kind Of Mambo, os poderosos The Shine. Bem se esforçaram para pôr o pessoal a mexer: pediram “com muito gosto”, mas nada feito. Se fosse na Piscina, o kuduro ia ser a pura da loucura, mas no Taina o pessoal quer é chilar. Sem nunca desistir, lá ficaram um bocadito tristes por não terem conseguido convencer o pessoal a dançar, mas o esforço iria ser recompensado mais tarde, no palco Milhões.

De volta à Piscina, os Alto! não param o baile, nem trazem calções de banho, mas sim o seu rock para quem gosta de rock. Por estes dias, em Barcelos, vê-se gente de todos os quadrantes, todos eles sujeitos às condições atmosféricas e, por isso mesmo, é difícil agradar ao público que se está a refrescar. Quem não gosta, pode atirar-se à àgua; quem gosta, atira-se também. Os concertos na piscina têm muitas vantagens e esta é uma delas. Mesmo assim, este foi um dos momentos mais esperados da tarde e também um dos mais aplaudidos.

Ao pôr-do-sol, apresentaram-se os La La La Ressonance, com uma sonoridade perfeita para o momento. São uma grande banda de uma intensidade e envolvência inconfundíveis. Até se torna estranho ouvi-los falar português, pois têm algo de muito incomum para o nosso panorama. Caracterizam-se também por um forte toque cinematográfico, facilmente explicado pelo intenso elo com o cinema ao longo de toda a carreira. São de Barcelos e vêm mostrar um novo álbum divinal: "Faust". É já o seu terceiro e nota-se uma grande maturidade e cumplicidade entre os músicos. Sente-se quase a presença de um maestro invisível, algo que vem à custa de muito mais de dez anos a tocar em conjunto. Hoje são uma máquina bem oleada e dão-nos boa música sem artifícios.

O grunhido hipnotizante dos sintetizadores de RA atrai a multidão obediente para o palco Vice. RA e Löbo têm em comum Ricardo Remédios e o doom. A atmosfera noctívaga entra primeiro apenas com RA e é depois completada em crescendo com os restantes elementos de Löbo. A exibição deixou todos os fãs de ouvidos exigentes à escuta, sedentos de post-rock.

Sensible Soccers levaram-nos de novo para o Palco Milhões. São os reis da música diversificada, esse género tão específico no qual eles próprios se caracterizam, e são bons. O pessoal estava todo sentado mas, como tendência não é regra, não demorou muito para levantar o traseiro da relva e começar a dançar.

Primeira regra para bandas em tournée: confirmar se estão perante o público certo. Os Baroness sabem bem disto e, como tal, fizeram um pequeno teste (só para terem certeza de que não estavam, afinal, no palco do I Festival de Marisco de Barcelos, também a acontecer nos últimos dias). Logo nos ajustes de som começaram por tocar um pouco de Billie Jean, de Michael Jackson, e, não havendo nenhuma reação por parte do público, passaram para Mastodon - teste positivo para o palco Milhões. Eram muitos os seguidores que esperavam ansiosamente pela sua entrada em palco e os Baroness não frustraram expetativas. Espernearam e suaram até à exaustão as suas melhores malhas e foram os tipos mais fixes do Mundo. Foi a sua primeira vez em Portugal e a banda fez questão de declarar amor eterno ao público do Milhões de Festa - tudo porque banda e público uniram-se para proporcionar a todos os presentes um dos melhores momentos da tournée europeia.

Depois do concerto incrível, ainda quiseram aproximar-se mais do público e disseram ao pessoal para se juntar a eles mais tarde, para beberem uns copos juntos. Tal como velhos amigos.

Pelo palco Vice passou também Holy Other, o produtor anónimo e encapuzado da editora Tri Angle. É lento e sedutor o som deste que-não-sabemos-o-nome, pois o misterioso indivíduo coloca no liquidificador da música eletrónica o r’n’b quente cheio de vozes lânguidas. Daí saem maravilhas semi-frias, para servir a qualquer altura.

Há um ano atrás, Throes + The Shine, estreavam-se ao vivo no palco Vice e o mundo parou para conhecer o seu novo conceito musical: rock+kuduro=rockduro. Este foi apenas o início e, desdeentão, nunca mais pararam de surpreender com a sua energia e batida contagiantes. O concerto do passado dia 20 no palco Milhões, foi a celebração desse percurso. Os elementos (oficiais e não oficiais), apesar de terem personalidades tão díspares como os anões da Branca de Neve, mostram uma sintonia fantástica que resulta numa festa incrível, tanto dentro como fora de palco. O público faz tão parte do espetáculo que são vários os momentos em que os fãs são convidados a subir a palco e mostrar os seus moves de rockduro. Milhões de momentos inesquecíveis.

Dia 21 – Já conheci os vizinhos e comprei o Kit do Milhões, bora ao Xispes comer uns panados maiores que a nossa cabeça?

Gnod estiveram em palco quase tantas vezes como a Da Chick e, por isso, é quase impossível não os ter visto. O vocalista tinha o poder de pôr o pessoal a dançar num piscar de olhos. Ele próprio era tão estranho que punha toda a gente à vontade com a sua própria figura. Por estranho, entenda-se uma one night stand entre Ian Curtis e Jarvis Cocker, ambos numa máquina do tempo e em ácidos. Ou seria em ácidos numa máquina do tempo? Que importa?

Jorge Coelho abriu o palco Taina e provou ser uma ótima razão para fugir do calor tórrido à beira da piscina. A sombra acolhedora das árvores anciãs foi o lugar perfeito para apreciar o novo álbum, "Arca D’Água".

Após a psicadélica introspetiva com Jorge Coelho, deu-se um salto até à piscina para ver Revengeance. O mais fixe do Milhões é mesmo este tipo de situação: passas dois dias a conviver amenamente com o pessoal na piscina e um dia dás com eles em cima do palco aos berros e cheios de pica. Revengeance deram um dos melhores, senão o melhor concerto na piscina. Não houve uma alminha que lhes ficasse indiferente. O público esteve num fervilhar constante entre o moche e o crowdsurfing, só havendo tempo para respirar nas pequenas pausas entre uma e outra malha. Depois de uma prestação destas, qualquer um dos presentes se sentiria em pleno direito de envergar uma das t-shirts da banda (que, por sinal, são mesmo fixes) e dizer: “Eu nem sou fã desta banda, mas vi-os no Milhões e foi para lá de brutal”.

Moullinex (só com um l) é uma empresa francesa de pequenos eletrodomésticos e Xinobi (com Sh e não X) é o ninja da Sega que mata o Batman e o Homem-Aranha com uma pistola. Hoje, mudaram de nomes para não serem reconhecidos e instalaram-se em Portugal, porque é mais barato cá viver e há muito sol. No Milhões, eles passam a outro nível ao se transformarem em produtores de música de dança tão gostosa como mortal, para quem se atrever a tentar seguir o seu groove imbatível. Estiveram no palco da Piscina durante horas a fio, porque a sua genialidade nunca mais acaba.

Da Chick é, oficialmente, a que mais vezes pisou o palco no Milhões de Festa 2012, com uma incrível prestação de quatro atuações em três dias. Parece impossível, mas não é: entre participações esporádicas aqui e acolá, o seu próprio live act e o concerto com Discotexas Band, atingiu o título de «É-impossível-não-teres-visto». E ainda bem, porque ela é uma força da natureza, dentro de um fato de banho colorido e calções de ganga rasgados. Não há quem não se deixe inebriar pelo seu one-girl-act e também não há quem consiga ficar parado na sua presença. Que o diga o jovem na primeira fila, que fez trinta por uma linha para a impressionar, sem qualquer efeito, como é óbvio.

Logo de seguida, vieram os Bro-x partir o que faltava com a sua mensagem de sexo e ódio para o mundo. Foi muito bom e ,para sua própria alegria, chegaram a atirar-se para a piscina. Foi o seu grand finale. Depois tentaram assaltar uns quantos, mas toda a gente achou que era a brincar e ninguém deu por falta de nada.

Depois de um início de noite fortíssimo com Blues Pills, chega a vez de Lüger. A banda traz um post-rock muito intenso, com um trabalho de percussão impecável e crescendos etéreos. Além disso, é também extremamente dançável. Por isso, cada um dos presentes inventa a sua própria performance frenética para os acompanhar. Bons aperitivos para El Perro Del Mar, que fez questão de matar o lançamento oficial do seu novo álbum, "Pale Fire", apresentando os novos temas em Barcelos.

Prizhorn Dance School é poesia. A música emoldura as palavras num manifesto, e o melhor exemplo disso é mesmo o tema Lawyer's Water Jug. Jogam muito bem com as pausas e com os silêncios, num registo por vezes minimalista e experimental. Mas, com isto, não se pense que estamos aqui a falar de algo tão abstrato que se torne aborrecido. Não, nem pensar, porque, para além de tudo o que foi dito, é também música para abanar o corpinho. Veja-se o pessoal da banda,queé tão simpático que até ofereceu uma garrafa de whiskey a um grupinho que estava a cantar a plenos pulmões na primeira fila. Escusado será dizer que, mal tiveram a garrafa nas mãos, o pessoal à volta começou logo a pedir uma “pinguinha”. Como foram um bocado somíticos e não quiseram dar a ninguém, o segurança levou a garrafa. O karma é lixado.

Conan Mockasin é grande. Acompanham-no grandes músicos, ou melhor dizendo, uma cambada de bichos estranhos muito bem amestrados, no bom sentido. Diga-se bichos estranhos porque todos eles primavam um bocadinho pela extravagância. Diga-se também que se pode, com todo o direito, ser extravagante quando se faz um trabalho tão bem feito como o que estes senhores fizeram ao lado de Conan. Ainda por cima, fazem tudo com uma «perna às costas», como se fosse uma brincadeira de crianças. Posto isto, o espetáculo é deleite para os ouvidos e é um privilégio ouvi-los ao vivo.

Voltando a Conan… é importante explicar por que é que toda a gente ficou a adorar o freak neo-zelandês depois daquela noite. Vejamos: há quem motive a participação do público com berros autoritários; já o Conan fá-lo com sussurros, palavras gentis e gestos. Até uma plateia de surdos teria seguido o que aquele senhor pedia sem qualquer dificuldade. É, acima de tudo, um grande ser humano e fez com que todos à sua volta fossem parte integrante do espetáculo. Até um fotógrafo - Conan pô-lo em cima de palco a tocar com um dos seus músicos enquanto pegou na sua câmera para filmar o momento. Foi um quebrar de todas as barreiras invisíveis que estão na génese deste tipo de eventos. Já se sabe que toda a gente adora pular a cerca e, por isso, despedimo-nos do Conan cheios de amor no coração e rebeldia debaixo da pele.

O pessoal no Milhões caminha para o som como as traças voam em direção à luz. Depois ficam a balançar-se levemente pela intensidade do que ouvem, sonoramente ligados em rede. Foi assim que se encaminharam para Gala Drop e ali ficaram.

Weedeater foi exatamente o que é: três gajos velhotes do mais badass que pode haver, a darem tudo por tudo num concerto maquiavélico e violento. Olhar para eles em cima de palco era um pouco como olhar para animais selvagens: com um misto de medo e respeito. Feios, porcos e maus na sua essência. Basicamente, estava tudo a pensar: “dava um bracinho e cinco tostões para chegar a esta idade e ter este vigor, esta pujança, fumar erva e ainda por cima ser da cena”.

Dia 22 – Pesadelo do dia: acordei e estava no último dia do Milhões de Festa

Não há músico que se preze que não sonhe, no seu íntimo, com o dia em que irá tocar no Milhões. Não só por ter acesso à piscina mais cool de todos os tempos, mas também porque, quem vai ao Milhões (ou pelo menos a maioria dos que vão), está realmente interessado em ouvir boa música. Posto isto, acrescente-se também que é o habitat perfeito para a eclosão de novos projetos e para a comunhão dos mais variados talentos.
Milhões é amor e só não é uma religião porque, se lá fossemos todos os domingos, deixava de ser fixe. É bom karma ir ao Milhões e, por esse motivo, esperem-se paletes de acontecimentos positivos a quem se aventurar por Barcelos. Tudo isto para dizer que acordar no último dia do Milhões é, de facto, um pesadelo, quase tão mau como acordar no dia em que tens de pôr a tralha toda às costas e voltar para o buraco deprimente a que chamas casa (pode até não ser assim tão mau, mas à vista do Milhões só pode ser um buraco deprimente).

Mas deixemos as tristezas de lado e o tempo derramado do outro e passemos ao que realmente interessa: a magnífica montra de concertos para o último dia!

Logo a abrir, Grup Ses Beats na piscina, para inaugurar o dia com um set das arábias. Perfeito para um dia quente cheio de aventuras. Quase ao mesmo tempo, estava Kalimanjaro na Taina. Naytronix estiveram pela primeira vez em Portugal e na piscina do Milhões também no último dia e toda a gente gostou muito das bandas laranjas que traziam na cabeça. Todos a fazer «pandam». O que também gostámos muito foi do seu «vibe», dos coros fofinhos a acompanhar a música do futuro e das garrafas recicladas em instrumentos. Tal como nos ensinam na primária.

Moon Duo apresentaram-se na piscina e estávamos todos muito curiosos para ver o que dali ia sair. Logo à partida, a dupla tem um charme inebriante na sua postura de “I couldn’t care less”. Musicalmente, são algo de incorruptível e o seu forte carácter não deixa espaço para dúvidas. Um momento a levar na memória durante os próximos meses.

Al-Madar é uma pequena ensemble da Orquestra Arábica de Nova Iorque. Fora isso, nada tem de pequeno, e surpreenderam pela sua exímia interpretação. Foram a primeira banda da noite do último dia e ficaram um pouco surpreendidos com a preguiça domingueira do público, que se limitou a ver o concerto sentado na relva. Obviamente, uma estratégia inteligente, visto que estamos no último dia e o sol ainda nem sequer se pôs.

Durante os últimos dias, o Palco Vice manteve a tradição extremamente agradável de ter dos melhores concertos ao lusco-fusco. E assim foi: Riding Pânico deu O concerto. Foi completamente uma experiência extrassensorial e, por isso, o pessoal andava todo a levitar de olhos fechados. O Filho da Mãe ainda subiu ao palco lá para o fim, para elevar ainda mais o que se passava em palco.

Isto de ouvir rock em francês ainda é uma coisa muito estranha, principalmente para nós em Portugal, terra dos avecs de junho a agosto. Preconceitos à parte, os L’Enfance Rouge deram um concerto impecável e criaram uma atmosfera muito intensa. Só ali no francês é que o pessoal percebeu muito pouco e ficou um quê lost in translation no ar. Felizmente que a música é boa e universal na sua linguagem.

Seguiu-se Memória de Peixe, outra das pérolas da noite. Seria de esperar que fosse bom, mas a entrega dos rapazes em palco fez com que a fasquia se elevasse ainda mais. Foram criativos e deram-nos uma roupagem especialmente fabricada para o efeito a cada um dos seus temas. A isso junta-se a selecção de convidados: Da Chick, João Nunes e Ed, dos Best Youth.

Al-J deu um concerto lindo no Palco Milhões. Houve uma sintonia incrível entre a banda e o público, daquela que existe entre seres que se entendem. Os rapazes de Inglaterra gostam de triângulos e, por isso, devem se ter sentido em casa. Eles trazem-nos um som melancólico mas não deprimente, que, ao vivo, torna-se surpreendentemente alegre. Pode acontecer que se pense que esta é apenas mais uma banda do momento, como tantas outras, mas em verdade se diz que esta tem mesmo algo de diferente. São cheios de groove, manejam os sintetizadores como se o fizessem desde sempre e o baterista domina o cowbell com grande mestria inexplicável. No meio de concertos tão efusivos, este foi o momento para recuperar o fôlego e para nos renderemos perante a beleza de um som tão simples e tão envolvente, que não precisa de guitarras cheias de overdrive nem de corpos a pingar suor. Sem ofensas, nem desméritos.

Logo de seguida, no Palco Vice, Gnod e Black Bombaim foi um bom casamento: Gnod foi beber do transe psicadélico e Black Bombaim da fritisse e do dinamismo. E por noite dentro foram os dois de mão dada, na sua nova forma de meter o pessoal em transe, abrindo caminho para um dos gigantes da noite: Red Fang.

Ao vê-los entrar em palco já dá para ter um antevisão daquilo que se vai passar dali para a frente. O multidão está sedenta e preparada para lhes dar a receção que merecem, ao mais alto nível da partição de boca. Fizeram aquilo que tinham a fazer e ainda dobraram a aposta, dando um concerto para lá do inimaginável. O chão tremeu e mandaram tudo a baixo em Barcelos. Os americanos chegaram, vieram e venceram segundo as regras incontornáveis dos que não têm regras.

Depois disto, foi sempre a subir, mas noutra direção. The Discotexas Band levou o pessoal ao delírio com os temas meticulosamente criados e pensados para levar quem os ouve para a dimensão do soul, funk e do disco. Puseram o pessoal a suar as estopinhas, mas por eles ainda ficavam mais uma hora ou duas nisto, sem qualquer dúvida.

Depois deles, chegou Shangaan Electro, que é basicamente uma miscelânea de ritmos africanos com a interpretação mais genuína de espetáculo que pode existir. As personagens em palco foram muitas, e falo em personagens porque tratou-se literalmente de uma dramatização dançada, na qual os intérpretes/atores se desdobravam em mais de mil peripécias. Uma lufada de ar fresco por sobre tudo o que foi visto até ali. Incomparável.

A encerrar oficialmente o Milhões de Festa estiveram osZombies For Money. A sua missão seria levar à exaustão todos os “milhoneiros” e mandá-los para casa com a mais verdadeira sensação de missão cumprida e alegria interior. Lá que os mandaram para casa mandaram, ebriamente alegres, mas quanto à alegria interior... essa fica no olhar que se lança ao amanhecer e numa contagem decrescente até ao Milhões de Festa do próximo ano.

Texto: Iris Rocha

Fotografias: André Vitor Tavares