Em ano de celebração redonda dos 30 anos de carreira, os Mão Morta quiseram intencionalmente debruçar-se sobre a "realidade concreta, muito mais comezinha", afirmou o vocalista, Adolfo Luxúria Canibal, à agência Lusa.

“O nosso ponto de partida é o que cada um de nós seria ou era antes da crise, potencialmente”, explicou, mas o fio condutor do álbum é uma personagem – um homem solitário, de classe média, que se apercebe que o espaço de conforto está a ser ameaçado pelo desemprego, pela redução dos salários, pela injustiça social.

“O seu percurso é muito específico, leva à situação final, que é achar que está na hora de matar. Essa solução ainda não é a situação generalizada dos portugueses, mas podia ser”, considerou.

O título do novo álbum recupera uma frase de um poema de António José Forte e, para Adolfo Luxúria Canibal, não apela à violência. "É uma frase poética" que aborda o desespero individual daquela personagem perante o que está a acontecer-lhe. “A personagem toma consciência de que não é o único, que o seu espaço de conforto está a ser afetado e faz essa consciencialização social”, disse.

Um dos temas do álbum remete para esse despertar social, simbolizando a manifestação, quando Adolfo Luxúria Canibal diz repetidamente: “Os ossos de Marcelo Caetano estão de volta ao Palácio de São Bento”.

O disco fecha com "Horas de matar" e, no vídeo oficial, realizado por Rodrigo Areias, Adolfo Luxúria Canibal surge de arma em punho a disparar sobre várias pessoas, tendo em fundo imagens como manifestações, a escadaria da Assembleia da República e o Palácio de Belém.

Musicalmente, o álbum revela ainda novas experiências de composição e gravação – “o nosso prazer liga-se com esta possibilidade de descobrir e inventar”: “Uma coisa que não tínhamos feito ainda é explorar o arrastamento do tempo, obrigar o tempo a ser o dobro ou o triplo do normal, contrariar [aquilo a] que estamos habituados no rock”.

“Pelo meu relógio são horas de matar” surge quatro anos depois de “Pesadelos em Peluche” e numa altura em que a banda de Braga se prepara para cumprir 30 anos. “É uma data redonda que não é muito vulgar numa formação musical coletiva ser atingida, e isso merece ser comemorado. Não é que a gente goste muito de olhar para trás e ficar nostálgico, mas vale a pena comemorar uma data destas se tivermos ainda alguma vitalidade”, admitiu.

Os Mão Morta surgiram em outubro de 1984 com os primeiros ensaios, mas o concerto de estreia só aconteceu em janeiro do ano seguinte, no Porto, por isso o aniversário são esses meses que medeiam os dois acontecimentos.

A digressão assente no novo disco só deverá acontecer depois do verão.

@Lusa