Se existisse nos quiosques e papelarias uma colecção de cromos musicais (em actividade), misturada entre «Hello Kitties» e «Docinhos de Morango», nomes há que teriam presença assegurada e que, muito provavelmente, sairiam repetidos em muitos dos pacotes até a colecção estar terminada.
Na equipa do rock, não podiam faltar o médio ofensivo Jack White e o ponta de lança Mick Jagger; na dança, a dupla de centrais Justice e os médios ala da temível equipa dos Chemical Brothers teriam lugar cativo; na pop, o trinco Damon Albarn e o avançado centro Mika não teriam ameaças na luta pela titularidade; já no jazz, numa equipa constituída maioritariamente por jogadoras como Norah Jones ou Diana Krall, o papel de maestro da equipa, o tão proclamado “número 10”, estaria entregue a Kurt Elling, um vulto do jazz que, ontem à noite, se apresentou no CCB perante uma plateia muito bem composta.
Elling é aquilo que se pode chamar, como foi celebrizado por Herman José num programa dos idos anos 80, o «verdadeiro artista». Não faltam as palavras de carinho para com o público, os gestos e poses com inspiração bondiana (de James Bond), o fazer do palco uma imensa sala de estar.
Em cerca de uma hora e um quarto, num tempo a que chamou de “celebration of small time together”, o cantor americano levou-nos numa viagem através de um jazz mais clássico, acompanhado por quatro músicos de excelência: Laurence Hobgood, o companheiro de longa data, marcando o ritmo nas teclas; Harish Raghavan, no contrabaixo, invocando o espírito “groove”; John McLean, na guitarra, fazendo as cordas soluçar muito perto das lágrimas; e Ulysses Owen Jr, na bateria, arrancando solos que dão vontade de celebrar o ritmo numa dança tresloucada.
Num concerto que serviu de apresentação a “The Gate”, longa duração editado este ano, não faltaram “Steppin` Out”, um original de Joe Jackson, a romântica “Dedicated to You”, a recente “Please Wait” – que Elling associou à tragédia vivida no Japão, dizendo que somos “one human family in tragedy” –, “Golden Lady”, tema épico do grande Stevie Wonder e, para delícia dos muitos fãs de Elling, uma interpretação em português de “Luiza”, tema de Tom Jobim.
Foi uma noite bem passada, mas faltou algum grau de surpresa que saltasse para fora de um guião bem estudado e onde nenhum dos actores falha uma deixa. Kurt Elling tem uma voz fantástica, os músicos são qualquer coisa de fenomenal, mas falta aquela atmosfera de clube de jazz onde o fumo serpenteia com sensualidade, os cubos de gelo tilintam felizes e o whisky se bebe como água num dia de calor intenso. As expectativas foram cumpridas, mas ninguém terá saído do CCB verdadeiramente surpreendido.
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