Em plena época festivaleira 2012, foram muitos os que trocaram o sol, o chinelo e o pó pelo glamour do Salão Preto e Prata do Casino Estoril na noite de 6 de julho. Mais importante do que o local é o cartaz, e a primeira atuação dos Firehouse em Portugal (data única na Europa) atraiu muita gente de todos os pontos do país e de Espanha. A pretexto de mais uma Festa Rock em Stock com Luís Filipe Barros & companhia, o Casino assistiu a uma romaria de rockers de todas as idades, visuais e proveniências, que mostrou bem como o amor pela música pode ser unificador. Foi bonito.
A abrir as hostes, os portugueses 27 Saints (mais tarde, acompanhados pelo teclista Rui Rocha, ex Faithfull e Timeless) subiram ao palco pouco antes das 22h00, para um set de covers que escondia uma surpresa - surpresa essa que, apesar de revelada nas redes sociais ao longo do dia, ainda deixou muita gente de “queixo caído”. Clássicos das pistas de dança rock e das próprias emissões do Rock em Stock, como “Rebel Yell”, de Billy Idol, “Steal Your Fire”, dos Gun, ou a incontornável “Sweet Child O’Mine”, dos Guns’n’Roses, ajudaram o público a aquecer a voz, antes da entrada enérgica de um convidado muito especial. Ted Poley, vocalista dos Danger Danger (que animaram a festa no mesmo local, em 2011... o próprio Ted esteve entre nós, em fevereiro, a solo) entrou com toda a energia que lhe é reconhecida e fez desfilar, de rajada, “Beat the Bullet”, “Feels Like Love” e a muito solicitada “Don’t Walk Away”. O público delirou e deixou claro, se dúvidas havia, que os Danger Danger têm lugar cativo na preferência dos fãs portugueses. Por seu lado, Ted Poley, na sua atuação relâmpago, revelou que deixou o seu coração em Portugal e terá que voltar muito brevemente para vir buscá-lo... com vinte anos de atraso. Portugal e o hard rock encontraram-se e o romance parece ser feliz.
Poley e os 27 Saints deram o arranque com nota positiva e muita energia, mas a noite era dos Firehouse e o público estava impaciente para comprovar como se portaria, em palco, uma das bandas mais influentes da fase final do hard rock, no início dos anos 90, antes do advento da era grunge. Com 21 anos de carreira e uma formação muito estável - à exceção do lugar de baixista, que tem conhecido vários nomes ao longo dos anos, depois da saída do membro fundador Perry Richardson - a banda da Carolina do Norte é reconhecida pelo grande público pelas baladas e pela atitude blues rock, pela grande qualidade dos músicos e pela voz extremamente versátil e possante de CJ Snare... Não estaremos enganados se arriscarmos dizer que, pela mente de muitos dos presentes, passava a dúvida sobre se, ao fim de tantos anos, o vocalista se aguentaria, ao vivo, nas notas mais agudas. Mas já lá vamos...
A banda, que chegou a Portugal no dia anterior ao concerto e se entreteve, entretanto, a visitar os monumentos e a provar os típicos pastéis de Belém, arrancou a toda a força com o tema título do álbum de 1992, “Hold Your Fire”, e seguiu com “Shake & Tumble” e o sucesso “All She Wrote”, do álbum de estreia. Pela amostra inicial, muito ficou, desde já, esclarecido: os Firehouse encontram-se em excelente forma e, graças à grande rodagem que continuam a ter, com concertos regulares um pouco por todo o mundo e uma digressão norte-americana em curso com os colegas Warrant e Trixter, mantêm uma atitude extremamente profissional e não deixam nada ao acaso. O som estava excelente, os coros que qualquer fã de hard rock melódico não dispensa estiveram irrepreensíveis, o contato com o público foi próximo e caloroso, com muita dose de português à mistura, e – dúvidas desfeitas – a voz de CJ Snare ao vivo impressiona e arrepia. Um pitch imaculado e uma caixa toráxica invejável levaram o espetáculo ao próximo nível e não defraudaram os mais exigentes.
Lançadas que estavam as bases para uma noite de grande qualidade, a audiência pôde, então, relaxar e entregar-se à dança e à cantoria a plenos pulmões. Seguiu-se “Oughta Be a Law”, também da estreia, e “Holding On”, do álbum “Prime Time”, de 2003, com CJ Snare a passar para os coros e para trás dos teclados e o baterista Michael Foster a assumir a voz, a par da estonteante energia que emprega contra bombos, pratos e tarolas.
O ritmo abrandou para a primeira balada-de-ir-às-lágrimas da noite, com “When I Look Into Your Eyes”. Muitos beijos entre os pares presentes, muitos telemóveis acesos, a substituir os isqueiros de outros tempos, e o público a acompanhar a letra, palavra a palavra, para uns Firehouse visivelmente impressionados. “Rock on the Radio”, que abre o disco de estreia, elevou, novamente, o ritmo, e “Sleeping With You” deixou mais uma nota romântica, com sabor travesso.
Em “Door to Door”, novamente, do álbum de 2003, a banda entregou-se a um exercício criativo, onde os músicos ganharam asas e mostraram habilidades. Bill Leverty é, certamente, um dos guitarristas mais competentes do hard rock melódico e lidera uma carreira a solo bastante interessante. No Estoril, mostrou-se tímido e talvez demasiado discreto para o que se esperava dele, mas a banda fica a ganhar com a sua gestão de palco e o seu instinto melódico apurado, entregando exatamente a medida certa de virtuosismo e talento para cada momento – nem mais nem menos. Uma lição que poderia ser tomada como exemplo por muitos. Finalmente, foi a vez de Michael Foster dar largas a toda a sua energia (e fúria?). O público é que ficou a ganhar, com um solo impressionante, divertido e libertador. Snare aproveitou para descansar a voz e trocar de indumentária, para regressar com “I Live My Life For You”, a primeira incursão no álbum de 1995, “Three”. Mais uma vez, o público cantou de fio a pavio e chegou a abafar a banda, que filmou os fãs como recordação, "para mostrar à família". Também de “Three”, seguiu-se “Love is a Dangerous Thing”, a mega balada “Love of a Lifetime” – um dos sucessos que os catapultou para o estrelato – e, a terminar o alinhamento em alta, a fantástica “Overnight Sensation”.
Com os corações aos pulos e a adrenalina a pulsar violentamente nas veias, a noite não podia terminar assim e o público nem esperou pela saída de palco para começar a exigir o regresso dos Firehouse, com os cânticos a ecoarem pelas paredes do Salão Preto e Prata como se de uma final do Europeu se tratasse. A banda entendeu a urgência e deu mostras de também não estar preparada para dar a noite como terminada. CJ Snare explicou que o segredo da longevidade da carreira da banda está "nas pessoas fantásticas que continuam a encontrar, ano após ano", onde quer que vão,revelou que ficariam por Portugal até domingo, pelo que teriam tempo ainda para festejar pela noite dentro, e deu a entender que também eles têm intenções de regressar muito em breve. A última balada da noite, “Here For You”, e o auto intitulado "mais curto solo de baixo do mundo", pelo divertido Allen McKenzie, abriram caminho para as últimas da noite. O poderoso “Reach For the Sky” foi, talvez, um dos temas mais bem conseguidos da carreira dos Firehouse, e “Don’t Treat Me Bad” tem um dos refrões mais contagiantes de sempre, e eles parecem ter noção disso, ao encerrarem, com chave de ouro, um concerto que vai ficar na memória.
Numa noite de grande qualidade, falhou o prometido encontro com os fãs, com muita gente a esperar mais de duas horas junto ao bar lateral, com pilhas de CDs para autografar. Não ficava mal um pouco de paciência para dois dedos de conversa e as fotografias da praxe, especialmente, na primeira visita ao país.
No Salão, a noite continuou com um dos DJs e radialistas mais emblemáticos da rádio portuguesa. Luís Filipe Barros tem programa novo e continua a arrastar multidões onde quer que vá, na certeza de uma noite bem passada.
Para os fãs portugueses de hard rock, rock melódico, adult oriented rock ou hair metal – nomes há muitos e ninguém se entende muito bem quando toca a etiquetar géneros e bandas – e, em especial, para os promotores, fica, novamente, a certeza, depois de tantos anos de dúvida, de que existe público para o género. Numa altura em que as dezenas de festivais de verão e praia que – felizmente – tomaram de assalto o calendário nacional, se degladiam com cartazes semelhantes e repetem os mesmos nomes, ano após ano, em função de uma faixa de público alternativo que, afinal, segue as novas tendências comerciais, para quando um festival dedicado aos seguidores daquele que foi chamado rock comercial e, afinal, parece ser a alternativa?
Liliana Nascimento
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