Há quatro anos, ninguém diria que um grupo de música popular seria capaz de ter sucesso ao ponto dar a conhecer, ao mundo, a cultura portuguesa. Eis que em 2006 nascemos
Deolinda- projecto que tem vindo a quebrar barreiras e preconceitos em relação à música popular. Depois de “Canção Ao Lado”, o novo disco, “Dois Selos e Um Carimbo”, permanece, já há várias semanas, nos primeiros lugares do Top de Vendas nacional . O Palco Principal falou com Pedro Martins, que acompanha a voz de Ana Bacalhau com a sua guitarra clássica, sobre este novo álbum e os concertos internacionais.


Palco Principal - Lançaram, a 26 de Abril, o vosso novo álbum. O que é que “Dois Selos e Um Carimbo” vem acrescentar à vossa carreira? O que tem de diferente do vosso álbum anterior?



Pedro Martins -
É um disco novo, são novas produções, é algo novo desenvolvido a partir desta ideia que temos do que é o som dos
Deolinda. Acho que é um pouco o oficializar da sonoridade que procurámos no primeiro álbum, que, de certa forma, se completa neste segundo trabalho.

PP - Porquê o nome “Dois Selos e Um Carimbo”?

PM - Achámos que “Dois Selos e Um Carimbo” era o nome perfeito, porque era assim que se oficializavam os documentos antigamente, com dois selos e um carimbo. Isto é, de certa forma, também, o oficializar de um som, que é o som dos
Deolinda.




PP – Som esse que está ligado à música popular portuguesa... Por que escolheram cantar um género tão ligado à música popular? Acham que os portugueses estavam,de certa forma, a precisar de voltar às suas origens?

PM - Em primeiro, porque gostamos. É um género que nos diz alguma coisa e, depois, porque é uma forma natural de nos expressarmos. Portanto, expressamo-nos melhor em música popular portuguesa do que noutro estilo musical. A única razão é essa.

PP - Alguma vez pensaram ter um feedback tão grande por parte das camadas mais jovens?

PM - Não. Pensámos que o som e as canções iriam chegar a outra geração, mas depois, com os concertos, viemos a constatar que eram não só pessoas da nossa geração que ouviamos
Deolinda, como, a seguir, traziam os pais e os filhos.E isso é engraçado de ver.

PP - No videoclip do vosso single, Um Contra o Outro, estão representados vários jogos tradicionais como o dominó, o peão e os berlindes. Têm saudades destes jogos da vossa infância?



PM –
Essa ideia partiu do Gonçalo Tocha que énosso parceiroem relação aos vídeos. Essa ideia surgiu através dele. É um pouco uma visão que ele tem de uma certa Lisboa e que tentou reconstruir ali. É um pouco um convite às pessoas saírem de casa e daquelas comodidades que hoje existem, e conhecerem novas coisas.


PP – Acha que as pessoas e, principalmente, as crianças, hoje em dia, não saem muito de casa?



PM –
Não só as crianças. Eu acho queo hábito de sair de casa -hábito que, pessoalmente, conheci bem -está a perder-se. Hoje há muito poucas pessoas que, nas noites de Verão, pegam nas cadeiras de casa e põem na rua, onde se sentam a falar com os vizinhos. Se calhar é mais fácil estarmos a falar com uma pessoa que está a cinco mil quilómetros de distância, do que estarmos a falar com um vizinho do lado, que nem sequer conhecemos. Não quer dizer que seja mau, mas também deve haver esse olhar para o lado.

PP – Têm, então, saudades de um Portugal mais rural?

PM – Não, não necessariamente mais rural, e não é uma questão de saudades. Não há assim um peso nostálgico de alguma coisa antiga. Acho que é um pouco como olhar para um exemplo e tentar construir alguma coisa diferente a partir de outros exemplos.



PP – Os Deolinda são muito inspirados pela sua cidade [Lisboa]. Acham que, se pertencessem a outra cidade qualquer, seriam capazes de fazer estas músicas?

PM – Acho que não. Muito dificilmente. Lisboa é inspiradora de uma forma muito peculiar. Por isso acho que dificilmente faríamos este estilo de música noutro sítio qualquer.



PP - E o que é que torna Lisboa tão especial?




PM –
Acho que há sempre um ritmo qualquer em todo o lado. Lisboa tem o seu ritmo próprio e talvez seja por aí.



PP - O Pedro e a Ana Bacalhauvão, este ano,ser padrinhos da marcha do Benfica. No vosso novo álbum têm também uma música chamada Entre Alvalade e as Portas de Benfica. Acho que já se consegue adivinhar a vossa preferência clubista... ou esta escolha não está relacionada?

PM – Não, não. É engraçado porque a sugestão clubista da coisa surgiu depois da música já estar feita, nem a sentimos quando fizemos. A ideia era mesmo uma história passada entre Alvalade e as portas de Benfica, sem qualquer preferência clubista, mas há interpretações e até são válidas nesse sentido. Mas as marchas são de Benfica porquê? Porque nós também somos de Benfica [bairro], os nossos pais e avós eram de Benfica. Os nossos avós e tios-avós participaram nas primeiras marchas de Benfica. Portanto, as marchas de Benfica fazem parte um pouco da nossa família e do nosso imaginário familiar. Era natural e, por tudo isso, aceitámos o convite das marchas do Benfica.



PP - Já tiveram muitos concertos fora do país. Qual o país que gostaram mais de conhecer e onde gostaram mais de actuar?




PM –
Todos eles têm sido muito bons em termos de reacção do público às canções. Saliento, talvez, a Holanda que tem um conhecimento de música portuguesa impressionante. Gostámos, também, muito de tocar em Inglaterra,em França, em Espanha. Em Itália temos imensos fãs que fazem viagens de duzentos ou trezentos quilómetros para nos verem. Agora há pouco tempo tivemos em Marrocos e também correu muito bem.



PP – Em Marrocos foram bem recebidos pelo público, visto que eles têm uma cultura tão diferente da portuguesa?

PM – É verdade. Correu muito bem. De certa forma aconteceu um pouco como aconteceu cá em Portugal e como acontece nos outros países. As pessoas primeiro vão à procura de uma ideia de som que a
Deolinda não tem, que é o fado mais tradicional, e depois começam a tentar perceber o que é que é aquilo.A meio do concerto já estão a entrar no ritmo e, no final, já estão ainda melhor. De facto, foi muito engraçado, mas aquilo também é um festival de músicas do mundo, portanto as pessoas sabiam que iam ver qualquer coisa de diferente.

PP - Em Setembro vão actuar, pela primeira vez, nos Estados-Unidos. Acham que a vossa música vai ser bem recebida? Se calhar é um público que gosta de músicas mais rock ou mais pop...

PM – Não, pelo contrario. Os Estados-Unidos estão cada vez mais abertos a outros tipos de música que não o
rock e que não o
pop. Por isso é que o
indie está tão na moda. As expectativas são como em todo o lado. Temos bastante receio, mas também temos muitas expectativas de que vai correr bem.


PP - Quais as maiores diferenças entre actuar em Portugal e fazê-lo noutro país qualquer?

PM – Acaba por não ser muito diferente. Há sempre a barreira linguística, que é difícil de ultrapassar, que acho que é um componente importante na
Deolinda, que é a palavra. Mas a Ana é poliglota, fala uma série de línguas, faz sempre uma introdução.



PP – Então, a introdução à história da música é feita nos outros países também?

PM – Exactamente. Contextualiza, de certa forma, a história do que vai ser cantado. E depois é engraçado porque, além dessa contextualização, há sempre aquele lado que nós também temos, que é quando começamos a ver uma banda qualquer internacional com uma língua que não percebemos. Há essa coisa universal que é envolvermo-nos nas canções e nós próprios construímos uma imagem com essas canções. O nosso público agora já começa a saber ao que vai e a ir à procura desta ideia da
Deolinda. É uma aventura, mas é engraçado.

PP - Preferem actuar em concertos, festivais, queimas ou em espaços mais fechados como, por exemplo, a Casa da Música, onde actuam no próximo dia 7?



PM –
É engraçado porque o espírito de cada espaço, a forma como encaramos, por exemplo, um auditório pequeno ou um teatro ou um festivalé,para muitas pessoas, sempre diferente, porque o espaço assim o exige. Enquanto que um concerto de auditório é muito mais intimista e os ritmos se calhar são um pouco mais lentos, nos festivais se calhar recebemos um pouco esse ritmo, mas foi uma descoberta. Nós nunca pensámos sequer tocar em festivais e tocar ao ar livre e achámos que era uma coisa, se calhar, para um café concerto, para um espaço não tão grande. O que acontece é que as respostas que fomos dando a esse tipo de desafios foram-nos mostrando que havia essa capacidade e, portanto, estamos sempre prontos para um bom desafio e para lhe responder da melhor forma.



PP – E que desafios é que a Deolinda ainda não superou? O que é que lhe falta conquistar?

PM – Eu acho que há muita gente que já conhece a
Deolinda em Portugal, mas acho que também há muita gente que ainda não conhece. Ainda há muito que tocar e há muito que trabalhar nesse sentido. Cada concerto é um desafio diferente e, portanto, temos que estar preparados para isso e acho que também é isso que gostamos de fazer.


Melanie Antunes