O coletivo multidisciplinar português, que cruza música com poesia, apresentou-se para dar a conhecer ao público argentino o espetáculo “Os surrealistas”, no qual recriam o imaginário poético a partir da musica e das palavras de alguns autores.
Neste caso os autores escolhidos foram os poetas surrealistas António José Forte, António Maria Lisboa, Alexandre O’Neill, Mário Cesariny, Fernando Lemos, Carlos Eurico da Costa, Pedro Oom e Mário-Henrique Leiria.
A meio do espetáculo, onde a palavra liberdade foi mais do que uma vez ouvida, Nuno Miguel Guedes, uma das vozes da banda, agradeceu ao público e deixou uma mensagem: “Agradecemos por nos acompanharem nesta viagem aos surrealistas e à liberdade que nos faz cúmplices neste momento.”
Os músicos tinham afirmado que a sua atuação não teria nenhuma referência explicita ao 25 de Abril, mas que ao mesmo tempo seria uma celebração desse acontecimento, através da escolha de artistas surrealistas, que “têm sempre uma bandeira que os une, que é a liberdade”.
“Nem é preciso a efeméride, quem nos ouvir hoje perceberá que as coisas andam ligadas”, explicitou Miguel Guedes.
“Há uma definição de surrealismo por Helder Macedo que vai nesse sentido: o surrealismo pode definir-se como a recusa absoluta relativamente a tudo o que nos oprime. Daí a ideia de liberdade absoluta e do exercício da liberdade, mesmo onde ela aparentemente não existe. Acho que isso é o 25 de Abril”, acrescentou José Anjos, que além de dar voz nos espetáculos, toca Darbuka.
Para o espetáculo, além da poesia e da música, o grupo contou com a colaboração de um artista plástico do Porto, João Alves, “surrealista fora do seu tempo”, e esse trabalho ao vivo foi utilizado através de imagens.
“Portanto, há uma tentativa de fazer com que o público recrie um certo imaginário que ultrapassa as palavras, há um conteúdo híbrido entre música palavras e imagem que acreditamos ser bem conseguido”, disse à Lusa o músico Alexandre Cortês.
“É um sinal dos tempos, este lado hibrido do cruzamento de diferentes disciplinas, no nosso caso em torno da palavra, e é uma forma de expressão artística muito enriquecedora que explora esta transdisciplinaridade”, acrescentou.
O músico, que na banda toca baixo elétrico, destacou que ao longo dos muitos espetáculos que já fizeram sentem “que o público fica muito surpreendido porque nunca lhe passou pela cabeça que este tipo de linguagens pudesse ser tão cativante. De certa forma, o nosso objetivo é a dessacralização daquilo que é o cânone da sessão de poesia”.
“É interessante perceber que é um público bastante eclético: temos desde jovens de 17 anos vestidos de preto com o Ezra Pound debaixo do braço a ver o concerto, até aos velhotes, que aparecem nos espetáculos e nos vêm dizer que nunca pensaram que existia um coisa assim, muitos professores, alunos. Já nos disseram que isto é poesia para dançar”, explicou.
Essa diversidade esteve presente também hoje em Buenos Aires, cidade onde nunca tinham atuado, mas que julgaram ser um palco importante para a proximidade das línguas.
“Espero que o público consiga extrair alguma coisa das palavras ditas, mas o espetáculo em si ultrapassa um bocadinho essa intenção, acho que no conjunto a musica ajuda muito a que as palavras se compreendam. Depois a parte performativa é muito importante, as coisas complementam-se”, afirmou Alexandre Cortez, que toca baixo elétrico.
Nas palavras de José Anjos, ao juntar a música e a poesia e a palavra dita acontece qualquer coisa que mesmo que não saibam o que é, vão na direção de qualquer coisa.
“E o bonito de fazermos isto ao vivo e com um público que sabemos que não nos conhece é que vamos na direção de qualquer coisa nova em conjunto, e essa partilha eu acho que é maravilhosa e vale a pena o risco da experimentação, que acho que é o maior exercício de liberdade”, acrescentou.
No final do espetáculo, Alexandre Cortez dirigiu uma mensagem ao público argentino que os escutara e aplaudira: “Muita coragem para os tempos que se avizinham”, o que arrancou ainda mais algumas palmas.
Além deste três músicos, atuaram Sérgio Costa, na guitarra elétrica, Filipe Valentim, no teclado, Luis Bastos, no saxofone e clarinete, Mário Anjos, na bateria, e Paula Cortes, na voz.
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