Palco Principal – De disco para disco, notamos que a Cristina Branco tenta reagir ao trabalho anterior, desafiando a própria criação e composição musical. “Alegria” segue essa mesma filosofia? É uma evolução em si mesma?

Cristina Branco – Mesmo inusitado, é verdade que há sempre desafios a transpor a cada novo trabalho, quanto mais não seja porque já não somos os mesmos - algo mudou no durante, no próprio processo criativo. Com “Alegria” não foi diferente. Eu aceito a «permeabilidade» e considero-a necessária para fazer um trabalho como este, o de ser cantora, o de cantar as almas dos outros. Quero acreditar que sim, que evoluo por esta via - a estagnação é terreno pantanoso para mim!

PP - Este trabalho é, assumidamente, uma tentativa em homenagear a pessoa anónima, o lutador por excelência. Enquanto cantora, a Cristina Branco de “Alegria” veste a pele de porta-voz da alma lusitana?

CB – Não me sinto porta-voz, propriamente. O que acontece é uma tomada de consciência social da parte de quem, tendo uma voz, um «palanque», pode e deve apelar ao momento. A música sempre teve esse poder e espero usá-lo sempre bem, em prol da língua e da cultura portuguesa (em fase de dizimação, ao que parece!) e dos que querem ouvir e sentir, sem enterrar a cabeça na areia, como quem divaga à procura de uma hipotética alegria para disfarçar as mágoas.

PP – Algumas personagens deste disco, como a Alice, a Cândida ou a Branca Aurora, remetem para a atual conjuntura social que se vive num Portugal em crises diversas. Acha que não há condições para doces ilusões?

CB – Tentam convencer-nos disso. Todos os dias nos encharcam de programas banais nas televisões e as páginas de cultura vão mingando a olhos vistos. Resta saber se queremos realmente este estado de hipnose, ou se acordamos de vez para a realidade e agimos. Agir com propósito, com razão, com norte.

PP – Em “Lenço da Carolina” está bem patente a veia nacional para o ato de emigrar – nem que seja de nós próprios. Habituada a trabalhar no estrangeiro, acha que a esperança reside apenas além-fronteiras? Que podemos esperar deste Portugal sitiado pela Troika?

CB – O problema é que se torna cada vez mais difícil trabalhar cá, sendo que os que mantêm um emprego – pelo menos a maioria – fazem-no num regime de semiescravidão. Creio que devemos reagir, a inteligência do coletivo é muito importante nesta fase. Tudo está muito difícil e estamos num tremendo desnorte, fruto de erros de políticas megalómanas sucessivas. A Troika é uma realidade. Não se pode chorar o erro dos outros – há que olhar com exatidão para os factos, tomar decisões de vida e, se tivermos que sair porque não conseguimos alimentar uma família, uma vida que nos disseram que tínhamos direito, então devemos encontrar a solução noutro lugar, racionalmente e sem culpa.

PP – Sente que fez de “Alegria” um disco de certa forma interventivo?

CB – É um disco para ouvir e pensar, mas não num regime dramático e dorido. Acho que é um disco realista e as pessoas farão o seu uso como entenderem. Contem aquilo que eu não quis calar!

PP – A capa do disco revela uma personagem que nos olha nos olhos. Podemos estar a ver a cara das personagens feministas descritas neste disco: românticas, lutadores, vítimas, marginais, mas, acima de tudo, sonhadoras?

CB – A mulher é naturalmente doce e combativa e, perante a injustiça, é protetora e aguerrida. É a padeira de Albubarrota e a Joana d’Arc. É mãe, na dor, na inocência, na morte, na fragilidade…

PP – “Alegria é, também, sinónimo de homenagem a alguns dos seus heróis. Como é cantar temas de gente como Sérgio Godinho, Chico Buarque e Joni Mitchel?

CB – É aprender, rescrevendo as histórias num outro tempo… É honrar a obra desses autores!

PP – Contou com a ajuda de nomes como Manuela de Freitas, Jorge Palma, Miguel Farias e Pedro Silva Martins na escrita das letras de “Alegria”. Portugal é ainda um país de poetas?

CB – O meu marido diz-me que, quando muito, somos um país de versejadores. Os poetas tinham outra presença de espírito! Os autores mencionados estão na linha da realidade, compõem belas e duras palavras para descrever um propósito. Poeta, nos nossos dias, será, quando muito, o Vasco Graça Moura, que detém o rigor da escrita poética. Falo, claro, dos que trabalham comigo habitualmente!

PP – O universo da Cristina Branco vai para além das balizas do fado tradicional. Neste disco, com produção de Ricardo Dias, ouvimos, por exemplo, uma guitarra elétrica, um contrabaixo, um trompete, um piano e um acordeão. Essa riqueza instrumental é fundamental para a sua música?

CB – A riqueza vem, sobretudo, do génio de cada um deles. São músicos fabulosos e criativos, e eu não sei trabalhar com o assim-assim.

PP – Editou o primeiro disco em 1997. Até este “Alegria”, passaram cerca de 15 anos e uma dúzia de discos. Hoje, a Cristina é uma cantora mais segura e isso está bem patente neste último trabalho. Qual o segredo?

CB – É não ter segredos, talvez. É ser honesto com o trabalho que defendemos. É ter tenacidade e rigor nas escolhas.

PP – Seguem-se as apresentações em palco. O que podemos esperar deste “Alegria” ao vivo?

CB – Tudo. De nós, que o fizemos, sempre tudo!

Carlos Eugénio Augusto