Palco Principal – Como surgiu o nome Cavalheiro? Li numa entrevista que foi uma ironia...
Cavalheiro – Foi uma piada. Quando iniciei esta empreitada, em 2009, andava à procura de um nome que fizesse sentido, porque fazia música sozinho e em português. Quando vi este nome, achei que era perfeito. Primeiro, porque me pareceu levemente irónico, porque era algo que não me apelidavam muitas vezes; depois, porque a palavra cavalheiro, a mim, remete-me a algo passado de moda, a algo que não está na crista da onda. Penso numa pessoa e numa atmosfera bem mais antiga do que a que vivemos e essa combinação de ironia e «fora de moda» pareceu-me indicada. E ainda me parece.
PP – Este é o teu quinto trabalho: tens quatro EPs e um LP. Porquê a opção de formatos mais pequenos?
C – Essencialmente, por preguiça. Tenho feito um por ano e espero, para o ano, editar mais um. Acho que acaba por ser uma péssima maneira de promover o meu trabalho, porque as pessoas desconsideram os EPs e pensam que estes são uma antecâmara de qualquer coisa. No meu caso, não são. São sempre conjuntos de música que eu consigo agrupar, de forma mais ou menos coerente, e que me permitem manter um nível de edições anual. Posso gravar e tocar e, quando estou farto de tocar, posso gravar novamente. Mas noto que as pessoas dão pouca atenção aos EPs, como se estes fossem uma espécie de segunda divisão dos trabalhos discográficos.
PP – Também não é muito comum ver-te em concertos, pelo menos nos eventos mais mainstream, como festivais de música...
C – Acho que isso acontece muito em Lisboa, porque com o meu EP anterior dei 25 concertos, embora maioritariamente na zona Norte. Tenho muita dificuldade em vir tocar a Lisboa.
PP – Mas há muitas bandas do Norte a vir tocar a Lisboa. Por que achas que isso acontece contigo?
C – Eu tenho ideia que a minha música apela a um grupo muito pequeno de pessoas e acho que é algo que não se enquadra – não queria dizer moda, porque me parece uma expressão muito fácil –, mas acho que as estéticas atuais da música estão muito distantes daquilo que eu faço. Depois canto em português e a forma como faço as letras também é um pouco rude, direta e crua.
PP – Mas é essa a tua intenção?
C – A minha intenção é divertir-me e fazer aquilo que eu gosto, não faço isso com uma intenção deliberada de desagradar a ninguém nem de agradar.
PP – Mas a tua música não é desagradável, bem pelo contrário...
C – Não é que seja desagradável, mas não é uma música muito fácil, acho que não é algo que se ouça para conduzir ou para arrumar a casa. É uma espécie de cozido à portuguesa da música, que não se pode consumir todos os dias, nem em demasia, se não ficamos muito cheios.
PP – Disseste uma vez, numa entrevista, após o lançamento de “Farsas”, que achavas que a tua música revertia muito para o Bill Callahan. Continuas a achar que existem semelhanças?
C – Quando comecei a fazer música, enquanto Cavalheiro, nunca tinha feito nada deste género, não tinha cantado e não tinha escrito nenhuma canção como agora faço. Parti de uma espécie de David Hume, de uma tábua rasa, para começar a escrever alguma coisa. Criei e fui construindo esta entidade de Cavalheiro a partir do nada, porque o género de música que fazia antes não tinha nada a ver com este projeto. Na altura, como considerava que não tinha uma aptidão especial para escrever canções, tentei optar pelo mais minimal e pelo mais direto. Obviamente, pensando em música minimal, direta e solene, acho que o Bill Calhahan é um mestre. Eu ouvia muito, e continuo a ouvir, Bill Callahan e tinha um bocado de receio que estivesse a tentar fazer aquilo que muitas bandas portuguesas fazem – não querendo ser petulante –, que é encontrar um modelo lá fora e depois fazer um franchising português. Eu tinha esse medo de me estar a querer pôr em bicos de pés e de ser um Bill Callahan português, o que seria uma estupidez, primeiro, porque é mau copiar outras pessoas e porque nunca seria um Bill Callahan. Com o tempo esse medo foi passando.
PP – Além do Bill Callahan, o que é que costumas ouvir?
C – Ouço pouca música recente e acabo por ouvir sempre as mesmas coisas. Há um músico britânico que tem um trabalho fenomenal, que eu oiço muito e que acaba por influenciar muito o que eu tenho feito, que é o Richard Hawley. Identifico-me muito com o que ele faz, com as devidas e gigantes distâncias. Ouço também muito Elvis Presley. Para este disco, “Trégua”, e como estava à procura de uma espécie de tempero romântico, ouvi muito Júlio Iglésias, Claude François, Joe Dassin... Tentei ouvir aquilo que considero ser música romântica, mas que não descamba para a lamechice. Acho que esta é uma linha muito fácil de transpor, como no filme do Terrence Malick, “The Thin Red Line”, aquilo que separa a música romântica, que tem algum interesse, da música romântica que o José Alberto Reis faz, por exemplo. O disco tem uma música chamada “Walker” porque também ouvi muito os Walker Brothers, e o trabalho do Scott Walker é épico, porque é muito pessoal e muito romântico, sem nunca cair para o lado do vulgar, porque o Scott Walker tem uma classe enorme.
PP – Na apresentação do teu álbum há uma frase que refere que este trabalho tem a ver com “uma pacificação do ser, que surge com o passar dos anos, e do conformismo para com o que não se consegue mudar.” É o álbum de um homem mais maduro?
C – Espero bem que sim, até porque não estou a ficar mais novo. Chama-se “Trégua”, porque um amigo meu, com quem escrevo umas canções, há uns meses, mostrou-me uma música que ele tinha escrito sobre o filho dele, chamada “Tréguas”, e essa palavra como que se infiltrou. E foi assim que começou a criar uma certa ressonância em mim. Neste momento – e é sobre isto que este EP fala, porque é sobre a minha vida – há exatamente um processo de pacificação, como se eu tivesse chegado a uma altura em que percebi que há uma série de coisas que nunca vão mudar e que há duas formas de lidar com elas: ou vivo revoltado comigo mesmo ou simplesmente aprendo a viver com elas e a aceito-as, e isto é uma trégua. Não é uma pacificação total, mas espero que esta trégua me faça deixar de lutar contra mim mesmo e a resignar-me um pouco com essas coisas.
PP – E essas coisas que aprendeste a aceitar são coisas tuas ou são exteriores?
C – Acho que isto é capaz de soar muito egocêntrico, mas acho que estou cada vez mais em paz comigo e em guerra com o mundo. Não tenho tréguas para com as coisas que me irritam.
PP – Como tu dizes, este trabalho reflete a tua vida, e no tema “Cedo” há uma frase em que dizes: “cresci, morri tanta vezes”...
C – Quando temos irmãos, há uma fase em que odiamos os irmãos e depois, mais tarde, acabamos por perceber que os irmãos são os melhores amigos, as melhores pessoas que tu tens à tua volta, a não ser que sejam uns cretinos.
PP – O que também acontece com os pais...
C – Exatamente. É perceber que há uma série de gente que está muito próxima, ou que esteve muito próxima de mim, desde sempre, e que só passado algum tempo é que percebi quão bom e quão importante é ter essas pessoas – e agora estou a parecer um bocado a Simara a falar, mas é um bocado assim. Porque mais tarde reaproximamo-nos das pessoas e percebemos como importante elas são e o quão estúpidos nós fomos por estarmos afastados delas.
PP – Na tua canção “Talvez” – que é o tema de apresentação deste EP - há uma frase que diz: “preciso de alguém que me ampare, me assegure”. Tem a ver com este perceber da importância das pessoas, porque também nos trazem segurança?
C – Sim. Eu tenho ideia que, no meu trato pessoal, não sou a pessoa mais calorosa, mais fácil e mais atenciosa, e depois acabo por tentar purgar-me dos meus pecados escrevendo. Há uma série de pessoas das quais preciso quase umbilicalmente na minha vida e foi sobre uma delas que eu escrevi essa música. Preciso mesmo do amparo dessas pessoas. Por mais ridículo que isto pareça, acho que sou mesmo um homem que preciso que me assegurem e que me validem, sobretudo aquelas pessoas que estão mais próximas de mim.
PP – Tens previsão para apresentar este trabalho ao vivo?
C – Sim, em dezembro vamos apresentá-lo em Braga e queremos apresentá-lo também cá em baixo, mas, para já, não temos planos, até porque ando com um ensamble mais complexo ao vivo.
PP – Para este trabalho, quantas pessoas trabalharam contigo?
C – Somos cinco e uma delas, o baterista, é nova. De EP em EP tenho vindo a acrescentar um elemento. Eu tenho uma ambição, que é ter uma big band, ter coros. Era essa ambição que eu tinha quando comecei: ter uma light orchestra e eu estar ali, só a cantar.
PP – Este EP está disponível em CD, ao contrário dos anteriores, que só disponibilizaste para download gratuito...
C – Sim, mas é algo que tenciono fazer mais tarde. Não me dou bem com o conceito de vender música, porque a música é imaterial. Acho que, de uma maneira ou de outra, as pessoas vão acabar por ouvir a minha música gratuitamente. Faz sentido cobrar para tocar ao vivo, porque estou a trabalhar, faz algum sentido cobrar dinheiro por um CD, porque custa dinheiro, mas cobrar por um ficheiro musical, não sei... Tenho ideias um bocado ambíguas.
Texto: Helena Ales Pereira
Fotografias: Ivan Saraiva
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