Antes de um espetáculo, os cantadores do Grupo Coral da Indústria Mineira "Os Mineiros de Aljustrel", envergando fato-macaco de cotim azul e capacete com lanterna de mineiro, afinam as vozes para um ensaio na sede da formação.

O passo marcado e o embalo dos cantadores são uma característica que "já vem de longe, ajuda à música e tem um bocadito de preceito", conta à agência Lusa o ensaiador e um dos elementos mais velhos do grupo, José Narciso, de 75 anos.

Após a indicação de José, que diz, em jeito de brincadeira, "Acabou o recreio", o ponto do grupo, Ernesto Mestre, a solo, dá o "pontapé de saída" da primeira moda do ensaio "Fui mineiro por natureza": "O mineiro sempre deu / Produto à nossa nação / Arrancando os minerais / Debaixo do frio chão".

Segundo a candidatura do cante alentejano a Património Cultural Imaterial da Humanidade, cuja decisão deverá ser divulgada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) na próxima semana, o grupo coral "Os Mineiros de Aljustrel", fundado em 1926, foi o primeiro criado em Portugal.

O grupo "nasceu" nas minas de Aljustrel como Grupo Coral Dr. Bento Parreira do Amaral e, mais tarde, já associado ao Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Mineira, passou a ter o nome atual, explica à Lusa o porta-voz, António Campos.

Após a entrada do ponto, o alto do grupo, Manuel Cantigas, continua a moda, cantando a solo "Fui mineiro por natureza", seguindo-se um dos refrães, cantado pelo coro: "Vivi debaixo do chão / Tirei da terra a riqueza / E dei produto à nação".

Para entrar na formação "basta saber cantar, é como no futebol, se não se souber dar um pontapé de jeito não vale a pena teimar, e o preceito vai-se aprendendo", diz José, que trabalhou 20 anos nas minas de Aljustrel e quer "acabar os dias a cantar" no grupo onde começou com 12 anos.

"O nosso cante é bem diferente do de muitos outros grupos, tem mais garra, mais energia, mais força, talvez por cantarmos aquilo que tanto nos toca", ou seja, a vida nas minas, frisa António.

Os “Mineiros” têm trabalho discográfico editado e um "repertório imenso de modas", sobre o Alentejo e a vida de mineiro, algumas escritas por elementos do grupo, precisa António.

Atualmente, depois de resistir a "momentos difíceis", graças ao "esforço enorme de alguns cantadores que o mantiveram para que não morresse", o grupo é constituído por 27 elementos, entre os 24 e os 75 anos.

A "grande maioria" é constituída por mineiros ou antigos mineiros e os que não são "têm ligações fortes à família mineira", frisa António, que não é mineiro, mas identifica-se "bastante" com a identidade mineira.

"Temos tido pessoas que têm sido autênticos mouros no que toca a manter o grupo. O difícil, dentro de um grupo de cante alentejano, não é formá-lo, é mantê-lo", sublinha, referindo que a formação atual é "bastante forte" e quer "crescer e ser mais forte".

Devido à sua história e aos seus antepassados, "a responsabilidade do grupo é muito mais acrescida, não só para defender o cante alentejano", mas também porque os atuais elementos têm "a responsabilidade de manter o que outros aguentaram" até agora, argumenta.

Alguns dos cantadores mais velhos, “infelizmente, já não vão tendo condições para aguentarem o ritmo do grupo", mas, "felizmente", a maior parte está "para dar e durar", afiança, referindo que decorre "uma passagem de testemunho" dos mais velhos para os mais novos.

"Trabalhei enquanto pude", volta a cantar a solo Manuel Cantigas, dando ao coro as "honras" de fecho da moda: "Passei anos soterrado / Estraguei na mina a saúde / Por tanto ter trabalhado".

Seja qual for o resultado da candidatura, o cante "já ganhou", porque chegou a várias partes do mundo e passou a ser falado de forma "intensa e aprofundada" e levou à criação de novos grupos, "muitos de jovens, que se querem afirmar cantando à alentejana", sentencia António.

Tornando-se ou não Património da Humanidade, o cante alentejano "não morrerá em Aljustrel, nem no Alentejo e vai ficar cada vez mais forte", admite.

@Lusa