Já lá vão cinco. A discografia de António Zambujo, iniciada em 2002 com "O mesmo fado", chega ao quinto capítulo com um álbum editado esta segunda-feira. Mas o título "Quinto" também faz a ligação com aquela que é, para o cantor de Beja, uma das particularidades deste álbum: "Como nos últimos anos temos estado sempre a viajar, a fazer concertos em formato de quinteto, tentámos passar isso também para o disco, essa sonoridade que nos carateriza. Então mais ou menos metade dos temas foram gravados em formato quinteto e tocados como se fosse ao vivo, no Centro de Artes de Sines - nós em palco, sem público, mas a tocar todos ao mesmo tempo".

Este "nós" inclui Bernardo Couto ou Luís Guerreiro, na guitarra portuguesa, José Miguel Conde, no clarinete, André Conde, no trombone, Jon Luz, no cavaquinho, e Ricardo Cruz, no contrabaixo, baixo e direção musical, músicos que o fadista fez questão de nomear na entrevista telefónica ao SAPO Música.

Videoclip de "Algo de Estranho Acontece":

Mas "Quinto" não resulta só desta química em estúdio e em palco. A autoria das canções, partilhada com Maria do Rosário Pedreira, João Monge, Ricardo Cruz, Rodrigo Maranhão, Márcio Faraco, José Eduardo Agualusa e Pedro da Silva Martins (dos Deolinda) também nasce de colaborações já habituais na obra de Zambujo. Quase todas, pelo menos, esclarece o fadista: "São autores que conhecem muito bem a música que faço e existe uma admiração muito grande de parte a parte. E depois são pessoas com quem já tinha colaborado em discos anteriores, com exceção do Pedro da Silva Martins. Mas mesmo com o Pedro foi muito fácil porque já nos conhecemos, ele conhecia bem a música que eu fazia e compôs as duas músicas já a pensar na minha abordagem musical. Foi o disco mais fácil de fazer por esse motivo. (...) As coisas com o tempo vão ganhando alguma consistência e solidez. Neste caso, foi isso que aconteceu porque já existe uma estética musical, já existe um conceito instalado e eles já conhecem bem o que faço".

Zambujo conta-nos ainda que "este novo disco é composto só por temas originais, com exceção de «A Rua dos Meus Ciúmes», tema antigo [criado por Helena Tavares no teatro de revista] que tem um novo arranjo e uma reinterpretação. O álbum vem no seguimento dos anteriores, principalmente do «Outro Sentido» e do «Guia», onde acho que se notam todas as influências que tenho - fado, cante tradicional, música tradicional do Brasil, África, jazz, um pouco disso tudo...". A fonte de inspiração também se mantém e deve muito ao ouvido eclético que a obra do fadista evidencia. "O que faço acaba por sempre um reflexo do que ouço, dos festivais onde temos tocado - principalmente em festivais de world music e alguns festivais de jazz", complementa.

Fado novo e antigo, popular e clandestino

Frequentemente incluído, tanto dentro como fora de portas, entre os nomes mais singulares e inspirados de uma nova geração de fadistas - mesmo que o seu fado, pelas contaminações que aceita, não seja o mais canónico -, Zambujo mostra-se confiante nessa renovação do género: "Tens artistas portugueses a tocar em salas e festivais importantes desde o princípio dos anos 90. Essa reaproximação do público em geral ao fado é mérito quase exclusivo dos novos intérpretes, que têm conseguido cativar o público. Tens discos de fado que entram no primeiro lugar do top de vendas, que era uma coisa impensável há uns sete ou oito anos. Isso deve-se principalmente aos intérpretes, à qualidade dos temas, à escolha de repertório, o que faz com que o público consiga identificar-se com o género musical".

Não foram, no entanto, nomes mais recentes que levaram Zambujo a identificar-se com o fado, uma paixão já antiga. "A minha primeira memória musical é com o cante tradicional do Alentejo - sou de lá e há uma tradição muito forte de as pessoas de juntarem, aprenderem e cantarem as músicas em conjunto. O fado surgiu mais pelos discos que me conquistaram, pelos intérpretes que ouvia - mais homens do que mulheres, mas inevitavelmente a Amália Rodrigues -, cantores da década de 60 como o Tony de Matos, foi muito por aí que comecei a ouvir e a gostar. No início, um pouco na clandestinidade porque era impensável um miúdo de 11, 12 anos chegar à escola e dizer que estava a ouvir discos de fado. Era apedrejado, no mínimo", confidencia-nos entre risos. Hoje, contudo, as eventuais pedras dão lugar a aplausos como os que deverão ouvir-se no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a 24 de abril, data de apresentação de "Quinto" ao vivo por António Zambujo e o seu quinteto.

@Gonçalo Sá