A poucos minutos de fazer o sound check, Aloe Blacc dizia aos microfones de uma rádio nacional o que esperar do concerto da Aula Magna: a entrada numa cápsula do tempo, tendo como destino a era da soul clássica, para visitar nomes como Al Green, Marvin Gaye ou James Brown.

Já em palco, depois de uma Intro a fazer lembrar os samples de Public Enemy, mas vestidos de fato e gravata, Aloe Blacc apelou à irmandade com “Hey Brother” e, quando este tema cresceu e se transformou numa frenética jam, voltou a falar de todos esses nomes, acrescentando ainda o de Stevie Wonder. Cada um musicado de forma muito própria, numa homenagem a um género musical marcado pela pureza, pelo espírito de contestação e por energia que, de tão intensa, seria capaz de criar electricidade própria e mandar a EDP ou os painéis solares às urtigas.

Em “You make me smile”, tema que canta o amor como o antídoto para um mundo em erosão, Blacc promoveu o abraço colectivo entre pessoas que provocam sorrisos umas nas outras e, não satisfeito com o momento de ternura, pediu para que cada um dos presentes gritasse o nome da sua mãe em uníssono. O sorriso ganhava um ar lacrimejante, os coros e as palmas acompanhavam Blacc e este, em grande estilo, terminava o tema com um brilhante falsete. O rapaz estava lançado.

A luz verde para que a festa prosseguisse foi dada com “Green Lights”, canção que arrancou grande parte do Auditório às cadeiras e fez com que, por momentos, o abanar de anca fosse a linguagem universal.

“Miss Fortune”, história de alguém que se deu mal com o desejo de poder, ilustrou a velha máxima popular de que o dinheiro não traz a felicidade – mesmo que, às escondidas, cada um de nós não deixe de apostar no Euromilhões e espere que a fortuna venha um dia destes bater à porta.

“Life So Hard” foi um dos momentos altos da noite. Foi como entrar num clube à moda antiga, daqueles com que nos deliciamos nos filmes americanos, e dar de caras com a soul em estado inflamado: uma voz liberta, sopros que se infiltram por debaixo da pele e um órgão com poderes sacerdotais.

A celebração continuou com “If I”, um momento de oração onde se reza assim: “If i sang a song, would you sing with me? Said if i sang a song, would you sing with me? If I danced a step, would you dance with me? (dance with me); If I shed a tear, would you cry with me? And if I told a lie, would you fall with me?”. O Padre António Vieira ficaria orgulhoso deste menino.

Em “Politician”, radiografia musical ao estado de corrupção em que vivem grande parte dos políticos deste mundo, Aloe Blacc contribuiu com duas ideias para o lançamento de um novo PEC que signifique a retoma económica do país à beira mar plantado. Em vez da redução das pensões ou da substituição de subsídios por mapas do tesouro, tudo terá de começar por apostar em duas áreas importantíssimas para o desenvolvimento do ser humano: a paz e o amor. Estava feita a auditoria às contas públicas.

A recolha de fundos fez-se inevitavelmente com “I need a dollar”, e muitos esvaziaram as carteiras, os bolsos e os mealheiros para contribuírem para esta bela causa soul promovida por Aloe Blacc.

O encore foi servido por uma versão de Billie Jean onde a musicalidade original, que fazia pensar numa ida à pista de dança, foi substituída por um convite à sedução e por um amor louco e amargurado vivido num chão qualquer.

“Loving you is killing me”fechou a noite, servindo para Blacc revelar, em primeira mão, que voltará à Lusitânia a 28 de Julho para uma actuação no Cool Jazz Fest.

Aloé Blacc ainda não está no patamar dos grandes mestres que enunciou, mas uma coisa parece certa: o futuro da soul passa por aqui.

Pedro Miguel Silva