Esta será a quarta vez que o ator luso-guineense participa na Berlinale, desde que integrou o elenco de “Cartas de Guerra”, de Ivo M. Ferreira, que esteve nomeado para o Urso de Ouro em 2016. No ano seguinte concorreu com “Joaquim”, de Marcelo Gomes, ao mesmo galardão, e, em 2020, como protagonista de “Berlin Alexanderplatz”, de Burhan Qurbani.

O filme “Mudança”, que teve a sua estreia a 28 de setembro, surgiu como “resposta a um desafio”, lançado no ano passado, pelo Teatro do Bairro Alto, de Lisboa, e que, apesar da pandemia de COVID-19, Welket Bungué não hesitou em aceitar.

Participar na Berlinale, num programa que privilegia outras expressões artísticas, é “a forma mais justa” que o ator e realizador encontrou para “prestigiar e agradecer o trabalho das pessoas que colaboraram para fazer este filme”.

“Voltar à Berlinale, com a responsabilidade de assinar um filme, e ao mesmo tempo poder ter um palco atento […] são tudo condições que favorecem a difusão de um filme que é feito com base em estéticas, quer de produção, quer de realização, altamente independentes e autorais. É uma grande mais-valia para este trabalho que é feito no contexto de uma situação pandémica”, disse, em declarações à agência Lusa.

“Mudança” foi filmado em quatro dias, no espaço do Teatro do Bairro Alto, em finais de agosto, e contou com a colaboração da deputada Joacine Katar Moreira.

Mudança
Mudança

“A figura nuclear desta história foi a Joacine, enquanto trabalhadora essencial. Mas, como eu trabalho muito a performatividade no meu cinema, as outras pessoas que iriam interagir com a Joacine ao longo da história são no fundo também pessoas que têm outras atividades que não a atuação em cinema. Uma das cantoras, a Lulu Santi, é enfermeira”, adiantou.

A película faz parte do projeto “Essenciais”, do Teatro do Bairro Alto, que pretendia contrapor um profissional da cultura com um trabalhador essencial, percebendo o que têm em comum, o que as separa, como vivem a pandemia e o confinamento.

“Como não podíamos estar presentes fisicamente, nem os artistas, nem os trabalhadores essenciais, porque os teatros não estavam abertos ao público, o Fernando Frazão [diretor artístico do Teatro do Bairro Alto] propôs que utilizássemos meios alternativos para criar uma peça artística. […] O meio com o qual estou mais familiarizado, e que penso que serviria melhor o desafio proposto, é o cinema”, admitiu Welket Bungué.

O ator e realizador, que se encontra nesta altura na Bélgica a filmar uma longa-metragem, na qual será protagonista, admite que o processo de pré-produção de “Mudança” foi feito todo a partir de Berlim, cidade onde reside durante parte do ano.

“O que serve de base do ponto de vista literário são dois poemas que o meu pai escreveu. Ele publicou um livro 1996, ‘Cabaró, Djito Tem!’, e eu faço uso de dois poemas, um deles, o ‘Mudança’, que dá o nome ao filme”, explicou.

Joacine Katar Moreira contribui com dois monólogos que são “espontaneamente produzidos no contexto do filme” e que “vieram fortalecer bastante a compreensão das imagens que são produzidas, estetizadas para o filme, mas também aquilo que são as palavras originais do meu pai que estão contidas nos dois poemas”, acrescentou Welket Bungué.

“O filme traz imagens da floresta amazónica, referências ao conteúdo dos poemas que o meu pai escreveu, porque são poemas escritos numa Guiné-Bissau independente, escritos por um homem que lutou do lado dos portugueses. Mas, ao mesmo tempo, viu-se obrigado a ter de ir para essa posição por razoes de autossubsistência”, reflete.

“Mudança” é um espaço de diálogo com o pai, Paulo Tamba Bungué, que depois de combater na guerra colonial, viajou pela Rússia, Cuba, Brasil, acabando por estabelecer-se em Portugal e refletindo, no seu único livro, sobre a situação até essa altura.

“Vi-me capacitado de um pensamento crítico que me permitiu observar e compreender as palavras do meu pai, contextualizando-as no momento presente”, confessou.

Além de “Mudança”, integram o programa Fórum Expandido “13 ways of looking at a blackbird”, de Ana Vaz, e “Night for day”, da artista visual britânica Emily Wardill, com coprodução luso-austríaca.

Welket Bungué conduzirá também uma dos oficinas que integram o programa “Berlinale Talents”, na terça-feira. Em “In Contact: The Politics of Moving Bodies” será explorada “a relação com os corpos e os encontros com os dos outros”, adianta a página oficial do evento.

A 71.ª edição do festival decorrerá em dois momentos, numa tentativa de adaptação à situação global da COVID-19: Entre 1 e 5 de março decorrerá um evento da indústria, em formato online, para profissionais do setor, júris e imprensa especializada, e entre 9 e 20 de junho a programação será para o público.