A caminho dos
Óscares 2025
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Numa pradaria nevada em Minnesota, há uma abadia como nenhuma outra. Uma construção de betão com uma torre de sino paira sobre uma gigantesca fachada em forma de colmeia composta por centenas de hexágonos brilhantes.
Durante meio século, apenas os monges beneditinos que lá rezam e os arquitetos que fazem a peregrinação à igreja da Abadia Saint John durante todo o verão sabiam da existência desta obra-prima modernista.
No entanto, o edifício ganhou fama como inspiração para "O Brutalista". O épico de mais de três horas e meia conta a história de um arquiteto que emigra para os EUA após sobreviver ao Holocausto e é um dos favoritos aos Óscares, com dez nomeações, incluindo as principais: Melhor Filme, Realização (Brady Corbet), Ator (Adrien Brody), Ator Secundário (Guy Pearce), Atriz Secundária (Felicity Jones) e Argumento Original.
A história da génese da igreja é tão improvável quanto o enredo que ela inspirou, incluindo gigantes arquitetónicos, monges ambiciosos, uma reforma no Vaticano e um conflito por causa de janelas com células de colmeia.
“O facto de este centro de estudos religiosos na altura, no meio do nada, administrado por um grupo de monges, contratar um arquiteto famoso (...) é uma história fascinante”, disse Alan Reed, membro da abadia, à agência France-Presse.
Extraordinária criação
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Tudo começou com Baldwin Dworschack, um abade conservador que herdou a administração de um edifício que estava rapidamente ultrapassando o tamanho do seu terreno histórico nos anos de expansão do pós-guerra nos EUA, na década de 1950.
Quando a igreja Católica estava a modernizar-se, Dworschak e os seus assessores viram uma oportunidade de emular os monges pioneiros do século XII que inauguraram o então novo estilo gótico.
Organizado por um monge que estudou arquitetura, foram enviados convites para os principais arquitetos modernistas da época como Richard Neutra, Walter Gropius, Eero Saarinen e Marcel Breuer.
Surpreendentemente, vários responderam e Breuer - um judeu húngaro que se formou na influente escola alemã Bauhaus, e que inventou as cadeiras tubulares de aço que ainda hoje mobíliam escritórios - foi escolhido para tomar conta desta nova gigantesca igreja.
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O projeto que apresentou "foi algo nunca visto antes", disse Victoria Young, uma professora de arquitetura da Universidade de St. Thomas, em Minnesota, e que escreveu um livro sobre a "extraordinária" criação de Breuer.
O arquiteto sino-americano, I.M. Pei, ex-aluno de Breuer, escreveu que a igreja da Abadia Saint John seria considerada um dos maiores exemplos de arquitetura do século XX se estivesse em Nova Iorque e não em Minnesota.
Disputa de poderes
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Brady Corbet, realizador de "O Brutalista", citou um livro de Hilary Thimmesh, um jovem membro do comité de Dworschack, como fonte principal para o seu filme.
Cobert disse à AFP que visitou a abadia e que se deparou com as memórias de Thimmesh enquanto pesquisava para o filme.
Existem paralelos claros: um arquiteto judeu desenhando um edifício colossal cristão de estilo modernista numa remota colina americana.
Um ponto de tensão no filme é o momento em que o cliente (um milionário e não um abade) apresenta o seu próprio arquiteto, sabotando o artista original do projeto.
Na vida real, Breuer tornou-se amigo de Dworschak, mas eles desentenderam-se quando os monges trouxeram o seu designer de vidro, descartando o trabalho de Joseph Albers, amigo íntimo e ex-professor de Breuer.
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Numa carta amarga, Breuer qualificou a decisão como um "golpe repentino" e disse que preferia "não fazer nada" a continuar com a escolha dos monges.
O novo projeto deve ser “terminado imediatamente”, dizia outra carta, sem sucesso.
A disputa de poder em "O Brutalista" termina com um ato horrível numa pedreira de mármore na Itália.
No entanto, na vida real, cliente e arquiteto entenderam-se rapidamente.
"Esquecido"
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Um filme nomeado para os Óscares que destaca o tesouro oculto da sua abadia é motivo de orgulho para as pessoas envolvidas com a Saint John.
O arquiteto Robert McCarther escreveu um livro sobre Breuer porque considerou que o húngaro "fora esquecido, até certo ponto inclusive pelos seus colegas", disse à AFP.
"Há muita gente que pensa que Saint John é, de longe, a sua melhor construção. E concordo", acrescentou.
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Para os monges, o filme pode ser um salva-vidas, uma vez que a igreja necessita urgentemente de reparos. Parte do betão começa a desmoronar e o aço a oxidar.
A sua ordem também diminuiu: antes, com 340 monges, era a maior abadia beneditina masculina, hoje, o número caiu para menos de 100. Muito poucos para um espaço tão cavernoso.
“Se conseguíssemos arrecadar dinheiro suficiente”, os monges poderiam pelo menos aquecer a igreja no inverno e ter ar condicionado no verão, disse Reed.
E a atenção que o filme está a receber?
“Os monges certamente estão bastante impressionados”, disse.
A 97.ª edição dos Óscares está marcada para 2 de março, em Los Angeles, Califórnia, com apresentação de Conan O’Brien.
VEJA O TRAILER.
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