Um filme de nicho de mercado que recompensa quem quiser acompanhar o ritmo de Miguel Gomes: esta quarta-feira, a imprensa mundial viu "Grand Tour".

O filme português era um dos últimos que faltam ver na corrida à Palma de Ouro do festival e é o primeiro de um realizador português na principal secção competitiva do festival de cinema mais importante do mundo desde "Juventude em Marcha", de Pedro Costa, em 2006.

A France-Presse diz que Miguel Gomes optou por um "tom solene" para contar a história trágica de um britânico que mora em Mianmar em 1917 e abandona sua noiva para fazer uma viagem caótica pela Ásia. Filmado em preto e branco, com Gonçalo Waddington e Crista Alfaiate, é descrito como "narrativa complexa, ambientada na era colonial, mas que alterna entre cenas teatrais e imagens gravadas na atualidade", com Gomes a passear "com a sua câmara por mercados tailandeses, templos birmaneses e restaurantes japoneses, para então apresentar planos com decorações interiores".

As reações da imprensa internacional dividem-se e não fala em distinções no palmarés para o realizador, que viu "Tabu" (2012) ser premiado no Festival de Berlim e tem sido uma presença regular em Cannes noutras secções, nomeadamente na Quinzena de Realizadores, onde apresentou “Aquele Querido Mês de Agosto” (2008), “As Mil e Uma Noites” (2015) e “Diários de Otsoga” (2021), correalizado com Maureen Fazendeiro.

Miguel Gomes em Cannes a 23 de maio

Muita entusiástica foi a revista Variety, que numa crítica intitulada "O diário de viagem sonhador e delirante de Miguel Gomes pelo leste e sudoeste da Ásia" descreve um filme extraordinário", "cheio de vida e música e de colisões reveladoras entre culturas e prazos [...] um bálsamo curativo para tempos difíceis" e "uma experiência notavelmente coerente, embora ricamente complexa".
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"O sonho da febre asiática de Miguel Gomes é sedutor e evasivo", resumiu a The Hollywood Reporter, sobre um filme "belo e ousado, embora nem sempre credível", que "não é para quem gosta que os seus filmes sejam apresentados de forma sucinta": o realizador "está-se nas tintas" se a presença de anacronismos possa parecer "às vezes, um pouco confusa" porque "o que lhe interessa é captar a essência de um determinado lugar e colocar o espectador num determinado estado de espírito – coisas que ele faz muito bem, mesmo que 'Grand Tour' pareça esticar-se por mais de duas horas [129 minutos]".

Em "o sedutor romance colonial de Miguel Gomes viaja de Saigão a Xangai em busca do tempo perdido", o Indiewire diz que "mais próximo em espírito de um filme-ensaio [...] do que de uma história de amor convencional, este diário de viagem exuberantemente abstrato é tão belo como impenetrável".

A crítica do Screen Daily descreve um filme "experimental" e "uma odisseia asiática hipnótica e inventiva".

Salientando que é um trabalho de nicho como os anteriores de Miguel Gomes e visualmente "fascinante", nota que "é um daqueles filmes que repetidamente faz o espectador se perguntar para onde está a ir – e à medida que avança, parece que está constantemente a fazer a mesma pergunta, criando uma experiência revigorante de descoberta em tempo real".

Contundente é a reação do Deadline, uma das 'bíblias' da indústria norte-americana: "uma explosão de clorofórmio cinematográfico para acalmar um pouco a competição de Cannes".

E acrescenta: "Uma odisseia faladora e experimental pelo Extremo Oriente, trata de questões de colonialismo e de género, mas de uma forma tão oblíqua que é difícil compreender sem referir as notas de imprensa bastante enigmáticas que o acompanham. Os fãs do estilo inexpressivo de Gomes sem dúvida responderão à sua excentricidade, à sua ironia seca e à sua fotografia monocromática, sem dúvida, impressionante. Os espectadores menos esclarecidos podem querer levar um travesseiro".

"Gomes tem agora admiradores suficientes para que haja um público pequeno, mas dedicado, às suas sofisticadas meditações sobre história e cultura, um público que está pronto e disposto a ler as suas justaposições prolixas de facto e ficção, hoje e ontem. Para os restantes, porém, tudo parece um trabalho demasiado árduo", conclui.