7 de julho
Após o "pontapé de saída", Cannes contorce-se para entrar no eixo do seu habitual e reconhecido ritmo intenso de sessões de cinema.
A pandemia alterou e muito alguns procedimentos, desde a marcação digital de bilhetes até aos testes sugeridos de 48 em 48 horas. Do lado dos jornalistas, são mais as burocracias a respeitar para aceder a um filme, mas, no fundo, a essência das longas filas ainda se mantém em algumas sessões, o que não deixa de ser uma sensação inexplicável após 15 meses sem encontrar massas de gente.
Não me interpretem mal. Os habitantes locais continuam a aproximar-se da passadeira vermelha colocada no Grand Theatre Lumiere para conseguir vislumbrar as suas estrelas e os jornalistas respondem com coordenação aos visionamentos que lhes são propostos, mas nota-se que falta uma grande "fatia". Muitos profissionais estão impedidos de se deslocar ainda por causa da pandemia e, a juntar isso, a maioritária migração para o online do "Marché du Film", o "mercado do filme" que junta tantos profissionais para fazer negócios com os filmes, deixa um fantasmagórico vazio e o espaço do Palais [Palais des Festival et des Congrès] numa situação algo decadente.
Contudo, viemos para aqui celebrar os filmes, confiar na curadoria do diretor do festival Thierry Frémaux e "matar" as saudades do que resta dessa anterior "normalidade".
Quanto ao cinema, a Competição brinda-nos com a diversidade das temáticas e dos gestos. E já encontrámos importantes realizadores diferentes a perseguir a Palma de Ouro, um deles na correria pela compaixão, o outro pela rebeldia a um sistema.
Começamos com o primeiro, "Tout s'est bien passé", de François Ozon, um "habitué" por estas bandas, que esperou incentivar emocionalmente o público através de uma questão sensível e polarizada (e sempre em voga) na nossa sociedade - a eutanásia.
No centro da história está um patriarca que sofre um AVC (interpretado por André Dussollier) e está determinado, perante o farrapo em que se tornou, a morrer com dignidade. As filhas, por sua vez, ficam encarregues de tratar do procedimento e o espectador acompanha a trama sob a perspetiva delas (papéis de Sophie Marceau e Geraldine Pailhas), estando presente nas suas incertezas e no luto antecipado.
Ozon sempre foi um realizador irregular, capaz de surpreender-nos com algumas fugas às fórmulas ou a seguir as tradições. "Tout s'est bien passé" corresponde à segunda opção e o resultado é um sofrimento colorido sob um prisma demasiado burguês, que nos afasta de uma genuína empatia. Basta recordar como Michael Haneke o conseguiu num silencioso teatro de crueldades em "Amor" (2012), enquanto este novo trabalho de Ozon esconde-se apenas no privilégio.
Já o segundo realizador é Nadav Lapid, o israelita que conquistou o Urso de Ouro no controverso "Sinónimos" (2019) e nos traz "Ahed's Knee", um joelho que serve de metáfora sobre o desejo de lutar contra a opressão de Israel e, ao mesmo tempo, o medo de enfrentá-la.
Este filme funciona como um furioso manifesto em relação à situação atual e consequencial naquele país, encarando o Cinema como um palco de Guerra, disparando contra tudo e todos, seja o exército, a cultura ou o simbolismo histórico de Jerusalém, que automaticamente se torna numa disputa de custódia.
Aqui seguimos um reconhecido realizador de Telavive, convidado para ir um lugar remoto apresentar um dos seus filmes, e que, pelo meio, se sente magnetizado por um suposto e agendado ato de ativismo, estando consciente das consequências graves para a sua carreira.
Certamente que "Ahed's Knee" será uma obra que dará dores de cabeça no país de origem de Lapid, que mais uma vez apresenta um exercício de denúncia que não procura consensualidades. Há quem fique hipnotizado pela coragem do filme de se assumir como inquisidor quanto ao seu inimigo e há quem questione a resistência da sua forma.
Por aqui temos uma mensagem, sim senhor, mas o velcro tecnicamente anárquico (planos atirados de cabeça, pontos-de-vista prematuramente abandonados e as cadências obstinadas com que propõe os preparos do seu momento glorioso) torna o filme num ensaio indulgente. Continuamos a preferir a infiltração de um "Foxtrot", de Samuel Maoz (2017), um exemplo que nos lembramos de imediato, a uma "machadada" a quente.
São dois filmes. Dois mundos. Dois prismas. François Ozon e Nadav Lapid, apesar de competirem pela Palma, desejam o mesmo destino. Morrer com dignidade.
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