Hit & Miss é da autoria do prolífico Paul Abbott, argumentista britânico que assinou séries como Shameless (2004) e State of Play (2003). Esta é uma produção dita “independente” para a televisão e possui uma premissa que desafia os limites do espectador através da história de Mia (Chloe Seviginy), uma exímia assassina profissional que tem a particularidade de ser transexual. A ideia nasce de dois projetos distintos de Paul Abbott, um sobre alguém que é transexual e que cuida de uma família e outro sobre uma assassina profissional. Na junção das duas propostas, e pelo meio de um bloqueio de escritor, nasceu Hit & Miss.
A série conta com uma interpretação soberba da camaleónica Chloë Sevigny, a atriz norte-americana viveu durante quatro meses e meio no norte de Inglaterra para rodar a série. O seu trabalho de pesquisa na preparação da sua personagem colocou-a em contato com pessoas que fizeram as operações de mudança de sexo (masculino para feminino), a leitura de autobiografias, notas médicas sobre o tema e diálogos comportamentais com transexuais.
A atmosfera
O enredo desenrola-se no nordeste britânico, no Yorkshire, tipicamente uma terra agreste na paisagem e nas suas gentes - recordamos que foi pano de fundo para a fantástica minissérie Red Riding. A série absorve ao máximo a atmosfera depressiva e algo claustrofóbica na “insularidade” em torno dos personagens. A banda-sonora está bem presente no registo, e não podia deixar de passar o hino dos Joy Division, Atmosphere, entre temas de Morrissey, PJ Harvey, Beth Rowley e Anna Calvi, entre muitas outras escolhas. Em pano de fundo também temos a chav culture, uma subcultura da classe média britânica, por vezes desempregada (o equivalente britânico do white trash). É um estereótipo que define principalmente os jovens mais agressivos e delinquentes que se expressam, entre outros traços, pela forma muita própria de se apresentarem e um sentimento de abstração nas suas ações.
A família e a sexualidade
A perspetiva da sexualidade de Mia em Hit & Miss não é apenas um adereço, pelo contrário, é um fator determinante no dramatismo ao colocar em segundo plano a vertente de “ação” do enredo. O instinto assassino de Mia divide-se no mesmo espaço com alguém que tem falhas e possui emoções complexas. A personagem cresceu como um rapaz no seio de uma comunidade itinerante e foi abusada pelo pai e pelo irmão, acabando por fugir encontrando um por porto de abrigo ao lado de Wendy, que se tornou sua companheira. O seu crescimento foi de um modo feminino e gay, sempre achou que algo não estava certo e decidiu transformar-se fisicamente numa mulher. A ação presente desenrola-se quando Mia, que entretanto está a finalizar a sua metamorfose num dia a dia compartimentado, é notificada que teve um filho com Wendy e que esta faleceu deixando os restantes filhos ao seu cuidado. A partir deste momento, a série desloca-se do ambiente urbano para o rural em cenários desapaixonados e situações melindrosas de um grupo de órfãos que (sobre)vive ao sabor da maré. A personagem central é que vai dar os rasgos de cor e beleza a uma atmosfera cinzenta em torno de uma família desagregada que tem de ser algo mais do que um cliché ao aprender a comportar-se como um todo perante uma realidade que nunca é linear. Realce para a caraterização dos personagens, dos adultos aos mais novos - além de Chloë Sevigny, é admirável a direção dramática e a expressividade das crianças.
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